O referido acórdão consta que a empresa recorrente requereu ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a patente de um produto farmacêutico, em 18 de março de 1996. O INPI indeferiu o requerimento sob alegação de que, com a entrada em vigor da Lei nº 9.279, a empresa deveria ter efetuado outro pedido, nos termos do art. 229 da norma, para que o pedido de patente normal fosse convertido em um pedido de patente pipeline.
No julgamento do recurso, duas questões foram levadas à apreciação da Turma: se havia legislação que permitisse a patente de fármacos, quando foi feito o pedido de registro de patente; e se a Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996) poderia obrigar aqueles que já haviam depositado pedido normal de patente a apresentar outro pedido, para que fosse adequado às alterações introduzidas pela norma.
A recorrente alegou que, na data do requerimento, o patenteamento de fármacos era regido pelas regras do tratado TRIPs (do inglês Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), firmado em 1994.
Sustentou, ainda, que, além de a Lei nº 9.279 só ter entrado em vigor depois da apresentação do pedido de patente, ela não obriga a apresentação de um novo pedido para substituir aquele já em processamento.
A sentença, confirmada no acórdão de apelação, julgou improcedente o pedido, sob o entendimento de que as regras do tratado TRIPs só entrariam em vigor a partir de 1º de janeiro de 2000.
Dessa forma, na data da apresentação do pedido, vigia o Código de Propriedade Industrial (Lei nº 5.772/1971), que vedava a concessão de patentes para produtos químicos e farmacêuticos. O INPI, então, teria decidido corretamente ao exigir a apresentação de novo pedido, nos termos do art. 229 da Lei nº 9.279.
A recorrente alegou que, embora o acordo TRIPs permitisse aos países signatários adiar a sua aplicação até 1º de janeiro de 2000, o Brasil não teria se pronunciado expressamente a esse respeito, e por isso as disposições convencionadas teriam tido aplicação imediata.
Vale trazer trecho do voto do Relator:
"Dessa forma as disposições constantes do TRIPs apenas entraram em vigor cinco anos após a publicação do Decreto Presidencial nº 1.355/1994, ou seja, em 01.01.2000, como ficou definido pela jurisprudência desta Corte.
Nesse sentido:
COMERCIAL - PROPRIEDADE INTELECTUAL - RECURSO ESPECIAL - MANDADO DE SEGURANÇA - PATENTES - VIGÊNCIA DE QUINZE ANOS - ART. 24 DA LEI
Nº 5.772/1971 - EXTENSÃO DO PRAZO DE VALIDADE - ACORDO TRIPS (ARTS. 65 e 70, I) - PAÍSES MEMBROS - DIREITO DE RESERVA - PERÍODOS DE INCIDÊNCIA DO ACORDO - PRIVILÉGIOS DE INVENÇÃO ANTERIORMENTE CONCEDIDOS - PRORROGAÇÃO DO PRAZO POR CINCO ANOS - AUSÊNCIA DE SUPORTE LEGAL.
[...]
3. Mesmo que vigente o TRIPs desde 1º de janeiro de 1995 em face de sua ratificação e promulgação, a regra prescrita no seu art. 65.2 - 'Um país em desenvolvimento membro tem direito a postergar a data de aplicação das disposições do presente acordo, estabelecida no § 1º, por um prazo de quatro anos, com exceção dos arts. 3º, 4º e 5º -, por se constituir uma reserva concedida ao Brasil, sintetiza direito norteador de amparo ao reconhecimento de que a entrada em vigor no acordo veio a ocorrer somente em 1º de janeiro de 2000, inibindo, portanto, sua plena incidência a partir da publicação oficial. (REsp 642.213/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª S., J. 28.04.2010, DJe 02.08.2010)
Comercial. Recurso especial. Mandado de segurança. Patentes. Pedido de prorrogação, por mais cinco anos, de patente concedida na vigência da Lei nº 5.772/1971, em face da adesão do Brasil ao acordo TRIPs. Natureza do acordo. Exame das cláusulas relativas às possíveis prorrogações de prazo de vigência do TRIPs para os países em desenvolvimento e das discussões legislativas no Congresso brasileiro durante a adesão ao acordo.
[...]
Em resumo, não se pode, realmente, pretender a aplicação do prazo previsto no
art. 65.4 do TRIPs, por falta de manifestação legislativa adequada nesse sentido; porém, o afastamento deste prazo especial não fulmina, de forma alguma, o prazo genérico do art. 65.2, que é um direito concedido ao Brasil e que, nesta qualidade, não pode sofrer efeitos de uma pretensa manifestação de vontade por omissão, quando nenhum dispositivo obrigava o país a manifestar interesse neste ponto como condição da eficácia de seu direito. Recurso especial não conhecido. (REsp 960728/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., J. 17.03.2009, DJe 15.04.2009)
RECURSO ESPECIAL - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE PATENTE CONCEDIDA NOS TERMOS DA LEI Nº 5.772/1971 POR MAIS CINCO ANOS - ACORDO TRIPS - VIGÊNCIA NO BRASIL
[...]
II - A ausência de manifestação legislativa expressa, no sentido de postergar a vigência do Acordo no plano do direito interno por mais cinco anos (na modalidade 1 + 4), não pode ser interpretada como renúncia à faculdade oferecida pelo art. 65 às nações em desenvolvimento, uma vez que não havia nenhum dispositivo obrigando o país a declarar sua opção pelo prazo de transição. Precedente: REsp 960.728/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi, DJ 17.03.2009. (REsp 806.147/RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª T., DJe 18.12.2009)"
José Carlos Tinoco Soares, discorrendo sobre a possibilidade da alegação de nulidade da patente como matéria de defesa, ressalva:
"[...] Trata-se de uma adoção mais ampliada do que já estava previsto no art. 188 do Decreto-Lei nº 7.903, de 27.08.1945, primeiro Código de Propriedade Industrial, ou seja: 'Poderá constituir matéria de defesa na ação criminal a alegação de nulidade da patente ou registro em que a ação se fundar. A absolvição do réu, entretanto, não importará nulidade da patente ou do registro, que só poderá ser demandada pela ação competente'."
O renomado autor, comentando o art. 183 da Lei nº 9.279/1996, explica que comete crime contra a propriedade industrial quem viola direito da patente de invenção ou de modelo de utilidade. Contudo, ressalva:
"[...] para a caracterização deste específico delito não deverão ser admitidas em juízo as simples expectativas de direito (pedidos de patente de invenção ou de modelo de utilidade) ou mesmo as patentes que já caíram no domínio público, pela decorrência do prazo legal, pela decretação de caducidade, por falta de pagamento de anuidade ou ainda pela sua anulação judicial, ou outra decisão da qual não caiba mais recurso.
Considerando, pois, a integral validade da patente de invenção ou de modelo de utilidade, comete crime contra uma ou outra aquele que fabrica, usa meio ou processo ou promove a sua aplicação ou utilização por si ou por terceiros, sem autorização do titular." (Lei de patentes, marcas e direitos conexos, Lei nº 9.279 - 14.05.1996. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 101 e 275)
O Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso.