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quarta-feira, 1 de junho de 2022

Registro de documento societário. Prova da efetiva cessão.

 

Societário – A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, julgou improcedente o pedido de reconhecimento de pacto verbal no qual um doador de cotas empresariais teria estabelecido, como condição resolutiva, que as cotas lhe fossem devolvidas caso ele viesse a se casar – o que efetivamente ocorreu. Para o colegiado, além de o suposto pacto ter sido feito com apenas um dos sócios, filho do doador – não atingindo, portanto, os demais sócios –, seria necessário o registro da condição resolutiva no mesmo instrumento em que foi formalizada a doação, tendo em vista a formalidade exigida nesse tipo de negócio jurídico. “O contrato faz lei entre as partes, mas não produz efeitos na esfera juridicamente protegida de terceiros que não tomaram parte na relação jurídica de direito material”, afirmou o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva. (STJ, 7.4.22. O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.)

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Também a circunstância de ser a recorrente detentora de 99% das quotas sociais, pertencendo o outro 1% ao seu filho, menor impúbere, está a apontar para a manipulação do instituto.



AGRAVO DE INSTRUMENTO.  DEsconsideração da personalidade JURÍDICA. PRECLUSÃO. uso abusivo.

Possível ao julgador o reexame da aplicabilidade da desconsideração, pois a matéria é tratada no Código de Defesa do Consumidor como um poder-dever do magistrado, sujeito à análise valorativa de pressupostos, alterável ao longo da causa. Importa em uso abusivo da personalidade jurídica e autoriza o direcionamento da execução aos bens da agravante o fato de inexistir a necessária distinção entre seu patrimônio e o da empresa que administrava, bem como a insuficiência do capital social da sociedade para cobrir os riscos inerentes ao seu objeto. Também a circunstância de ser a recorrente detentora de 99% das quotas sociais, pertencendo o outro 1% ao seu filho, menor impúbere, está a apontar para a manipulação do instituto.
Agravo IMPROVIDO.

Agravo de Instrumento

Décima Câmara Cível
Nº 70006350797

Comarca de Caxias do Sul
PINOQUIO BERCARIO E PRE ESCOLA LTDA

AGRAVANTE
EDI MARIA MAZZOTTI

AGRAVANTE
LUIS ANTONIO MARCHETT

AGRAVADO
CAROLINA LUISA MARCHETT

AGRAVADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam, os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao agravo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Luiz Lúcio Merg e Des. Paulo Antônio Kretzmann.
Porto Alegre, 25 de setembro de 2003.

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA,
Relator.

VOTOS
Des. Luiz Ary Vessini de Lima (RELATOR)
Trata-se de agravo de instrumento de decisão que desconsiderou a personalidade jurídica de sociedade executada, devido à dissolução irregular, a fim de responsabilizar pessoalmente sua sócia majoritária, ora agravante. Sustenta-se preclusão da matéria, porquanto já examinada por outro magistrado no processo, e a reforma do julgado, haja vista ter a paralisação das atividades decorrido da alienação judicial dos bens que guarneciam a empresa.
Em contra-razões, requer-se, a título de antecipação de tutela, seja efetuada a penhora dos direitos sucessórios da agravante no rosto dos autos de processo de inventário. Propugna-se pela manutenção da decisão agravada em face do estado de insolvabilidade da devedora e de sua dissolução sem regularização na Junta Comercial e pagamento de tributos.
O Ministério Público opinou pelo provimento do recurso.

Colegas! Merece ser mantida a decisão de primeira instância, malgrado sob diverso fundamento.
Inicialmente, afasto a preliminar de preclusão, porquanto possível ao julgador o reexame da aplicabilidade da desconsideração, pois a matéria é tratada no Código de Defesa do Consumidor como um poder-dever do magistrado, sujeito à existência de pressupostos, cuja verificação depende de análise valorativa, alterável ao longo da causa.
Ademais, o instituto vem consagrado em norma de ordem pública, por expressa disposição legal (art. 1º da Lei 8.078/90), podendo o juiz dele conhecer até mesmo sem provocação das partes. Sobre o assunto, aliás, já decidiu esta Corte:

“REVELIA. 1) PRECLUSÃO. No direito pátrio, não tem por objeto a própria atividade do juiz, somente recaindo sobre as faculdades dos litigantes ou sobre as questões dependentes, para serem conhecidas pelo juiz, da iniciativa das partes (CPC, arts. 128 e 471). 2) Falta de comparecimento da ré e do seu advogado. Pregão defeituoso. Identificação positiva pelo magistrado da presença do advogado. Revogação inadmissível. Agravo improvido.” TJRS, AI nº 191013200, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Araken de Assis, J. 17/04/1991.

Outrossim, necessário mencionar que o fato de o acórdão proferido em sede de processo de conhecimento (p. 20 a 27) ter afastado a responsabilidade da agravante por ilegitimidade passiva, afirmando ser da empresa o dever de guarda descumprido, não impede a aplicação da disregard doctrine, mediante a configuração das hipóteses do art. 28 do diploma legal referido.
Por outro lado, o encerramento da pessoa jurídica, decorrente - à primeira vista - do próprio processo executivo, não está a autorizar o afastamento de sua personalidade, sendo necessário, para tanto, a prova de má-gestão, não se podendo depreendê-la da simples inadimplência fiscal.[1]
Contudo, autoriza o direcionamento da execução aos bens da agravante o fato de inexistir a necessária distinção patrimonial entre sua pessoa e aquela que administrava, bem como a insuficiência do capital social para cobrir os riscos inerentes à atividade desenvolvida, configurando-se a abusividade na utilização da personalidade jurídica.
Veja-se, inicialmente, que a empresa estabeleceu-se em local de propriedade dos pais da sócia majoritária, não havendo notícia da existência de contrato oneroso a justificar o uso.
Com o falecimento dos genitores - após a condenação da sociedade ao pagamento de indenização à ora exeqüente -, firmou-se contrato de locação com o espólio (p. 171 e 172), no qual se previu a venda futura do imóvel, contrariando-se a expectativa de que ele permaneceria com a recorrente que, afinal, há muito dele se utilizava para exploração comercial.
Ou seja, parece ter havido uma tentativa de desvincular o estabelecimento empresarial do complexo de bens da agravante, pois tal situação é fortemente indicativa da ausência de autonomia financeira da pessoa jurídica.
Deve-se referir, de outra parte, que a sociedade extinguiu inúmeros contratos de trabalho (p. 54 a 61), procedimento sabidamente oneroso, sem que dispusesse sequer de conta corrente em nome próprio, a ser indicada anteriormente para penhora, presumindo-se que os valores correspondentes tenham provindo de sócios.
Tal situação se subsume no que a doutrina vem entendendo por confusão patrimonial:

“Se, a partir da escrituração ou da movimentação de contas de depósito bancário percebe-se que a sociedade paga dívidas do sócio, ou este recebe créditos dela, ou o inverso, então não há suficiente distinção, no plano patrimonial entre as pessoas. Outro indicativo eloqüente de confusão, a ensejar desconsideração da personalidade jurídica da sociedade é a existência de bens de sócio registrados em nome da sociedade, e vice-versa”.[2]

De outra parte, não se há admitir que uma pessoa jurídica, cujo objeto social constitui-se na guarda de crianças - importando obviamente em riscos, a serem cobertos pela fornecedora -, possua capital social de R$ 2.000,00, incapaz de atender a mais ínfima pretensão indenizatória.
Seria estabelecer-se a ausência de responsabilidade da empresa, que também não necessita de sofisticada estrutura com a qual pudesse responder, situação que não mais se aceita sob a égide do Código de Defesa do Consumidor.
Destarte, nessas hipóteses, em que o capital é obviamente insuficiente para cobrir os riscos inerentes à atividade, verificando-se, ainda, a confusão patrimonial entre sociedade e sócios, é imperativo o reconhecimento do uso abusivo do da personalidade jurídica, coibindo-se a burla à lei e aos direitos de credores.
Note-se, ainda, que, no caso em tela, a recorrente detém 99% das quotas sociais, enquanto seu filho, menor impúbere, possui o outro 1% (p. 241), circunstância que demonstra se tratar a agravante de verdadeira comerciante individual, para quem, aliás, a responsabilidade pessoal pelos débitos é ilimitada, apontando-se, novamente, para a manipulação do instituto.
Finalmente, quanto ao pedido de penhora dos direitos sucessórios da agravante no rosto dos autos do processo de inventário, deve ser formulado ante o primeiro grau de jurisdição, a fim de evitar-se supressão de instância.
Pelo exposto, estou em IMPROVER o agravo.
É como voto.

Des. Luiz Lúcio Merg (REVISOR) - De acordo.
Des. Paulo Antônio Kretzmann - De acordo.


Julgador(a) de 1º Grau: ANTONIO CLARET FLORES CECCATTO


[1]  Respeitáveis doutrinadores defendem, inclusive, não ser hipótese de aplicação da disregard doctrine, mas de responsabilização direta dos dirigentes: “Se ocorrer a falência da sociedade empresária, a insolvência da associação ou fundação ou mesmo o encerramento ou a inatividade de qualquer uma delas em decorrência de má administração, então será possível imputar ao administrador a responsabilidade dos danos sofridos pelos consumidores. Novamente, a existência e a autonomia da pessoa jurídica não obstam essa responsabilização, descabendo, por isso, a referência à sua desconsideração. “ COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, v. 2, 2002, p. 51.
[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, v. 2, 2002, p. 43 e 44.