segunda-feira, 30 de maio de 2022

Responsabilidade solidária nas empresas é válida apenas com prova robusta

 

A conceituação de uma sociedade, no Direito Empresarial, parte do princípio no qual as atividades econômicas nem sempre são exercidas por pessoas físicas de maneira isolada, o que resulta na união dessas pessoas em sociedades. Nada impede que as sociedades, ainda que tenham personalidade jurídicas próprias, também se unam e formem grupos econômicos.

Um grupo econômico representa aconcentração de empresas que possuam o mesmo objetivo econômico, sendo abordadopelo Capítulo XXI da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76). A doutrinacaracteriza que tais grupos podem ser classificados como grupo de fato, grupo dedireito e consórcio (clique no link)

Imóvel de empresa usado como moradia e dado como caução é impenhorável

Importante proteção à propriedade privada e sua função social (clique para ler)

 

O Supremo Tribunal Federal fixou tese, em março de 2022, segundo a qual é constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja comercial, seja residencial.

Em julgamento recente, a 4ª Turma do STJ, que também julga temas de Direito Privado, afastou a penhora de um imóvel de família oferecido como caução em contrato de aluguel comercial.


quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Alterações na Lei 6.404/73 - Lei das Sociedades Anônimas

 As mudanças atuais na Lei 6.404/73 (Dispõe sobre as Sociedades por Ações) Foi alterada pela Lei Complementar n. 182, de 1o de junho de 2021.



Lei 6.404/73

CAPÍTULO XXV

Disposições Gerais

Art. 294. A companhia fechada que tiver receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) poderá:    (Redação dada pela Lei Complementar nº 182, de 2021)    Vigência

I – (revogado);    (Redação dada pela Lei Complementar nº 182, de 2021)    Vigência

II – (revogado);    (Redação dada pela Lei Complementar nº 182, de 2021)     Vigência

III - realizar as publicações ordenadas por esta Lei de forma eletrônica, em exceção ao disposto no art. 289 desta Lei; e    (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)     Vigência

IV - substituir os livros de que trata o art. 100 desta Lei por registros mecanizados ou eletrônicos.    (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)    Vigência

§ 1º A companhia deverá guardar os recibos de entrega dos anúncios de convocação e arquivar no registro de comércio, juntamente com a ata da assembléia, cópia autenticada dos mesmos.

§ 2º Nas companhias de que trata este artigo, o pagamento da participação dos administradores poderá ser feito sem observância do disposto no § 2º do artigo 152, desde que aprovada pela unanimidade dos acionistas.

§ 3º O disposto neste artigo não se aplica à companhia controladora de grupo de sociedade, ou a ela filiadas.

§ 4º Na hipótese de omissão do estatuto quanto à distribuição de dividendos, estes serão estabelecidos livremente pela assembleia geral, hipótese em que não se aplicará o disposto no art. 202 desta Lei, desde que não seja prejudicado o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade.    (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)     Vigência

§ 5º Ato do Ministro de Estado da Economia disciplinará o disposto neste artigo.     (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)     Vigência

Art. 294-A. A Comissão de Valores Mobiliários regulamentará as condições facilitadas para o acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais, e será permitido dispensar ou modular a observância ao disposto:       (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)      Vigência

I - no art. 161 desta Lei, quanto à obrigatoriedade de instalação do conselho fiscal a pedido de acionistas;         (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)

II - no § 5º do art. 170 desta Lei, quanto à obrigatoriedade de intermediação de instituição financeira em distribuições públicas de valores mobiliários, sem prejuízo da competência prevista no inciso III do § 3º do art. 2º da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976;         (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)      Vigência

III - no inciso I do caput do art. 109, nos §§ 1º e 2º do art. 111 e no art. 202 desta Lei, quanto ao recebimento de dividendo obrigatório;         (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)     Vigência

IV - no art. 289 desta Lei, quanto à forma de realização das publicações ordenadas por esta Lei; e        (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)      Vigência

V – (VETADO).         (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)      Vigência

Art. 294-B. Para fins do disposto nesta Lei, considera-se companhia de menor porte aquela que aufira receita bruta anual inferior a R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais).       (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)      Vigência

§ 1º A regulamentação editada não prejudica o estabelecimento de procedimentos simplificados aplicáveis às companhias de menor porte, pela Comissão de Valores Mobiliários, com base nas competências previstas na Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, especialmente quanto:        (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)     Vigência

I - à obtenção de registro de emissor;         (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)      Vigência

II - às distribuições públicas de valores mobiliários de sua emissão; e         (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)     Vigência

III - à elaboração e à prestação de informações periódicas e eventuais.          (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)     Vigência

§ 2º A Comissão de Valores Mobiliários poderá:         (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)     Vigência

I - estabelecer a forma de atualização do valor previsto no caput deste artigo e os critérios adicionais para a manutenção da condição de companhia de menor porte após seu acesso ao mercado de capitais; e        (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)     Vigência

II - disciplinar o tratamento a ser empregado às companhias abertas que se caracterizem como de menor porte nos termos do caput deste artigo.       (Incluído pela Lei Complementar nº 182, de 2021)    Vigência

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL - Alterações do Código Civil que interessa ao Direito Empresarial

Alteração do Código Civil

Art. 14.  A Lei nº 10.406, de 2002 - Código Civil passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 48-A.  As pessoas jurídicas de direito privado, sem prejuízo do previsto em legislação especial e em seus atos constitutivos, poderão realizar suas assembleias gerais por meios eletrônicos, inclusive para os fins do disposto no art. 59, respeitados os direitos previstos de participação e de manifestação.” (NR)

“Art. 206-A.  A prescrição intercorrente observará o mesmo prazo de prescrição da pretensão, observadas as causas de impedimento, de suspensão e de interrupção da prescrição previstas neste Código e observado o disposto no art. 921 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil.” (NR)

“Art. 1.142.  ................................................................................................

§ 1º  O estabelecimento não se confunde com o local onde se exerce a atividade empresarial, que poderá ser físico ou virtual.

§ 2º  Quando o local onde se exerce a atividade empresarial for virtual, o endereço informado para fins de registro poderá ser, conforme o caso, o endereço do empresário individual ou de um dos sócios da sociedade empresária.

§ 3º  Quando o local onde se exerce a atividade empresarial for físico, a fixação do horário de funcionamento competirá ao Município, observada a regra geral prevista no inciso II do caput do art. 3º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019.” (NR)

“Art. 1.160.  A sociedade anônima opera sob denominação integrada pelas expressões “sociedade anônima” ou “companhia”, por extenso ou abreviadamente, facultada a designação do objeto social.

...........................................................................................................” (NR)

“Art. 1.161.  A sociedade em comandita por ações pode, em lugar de firma, adotar denominação aditada da expressão “comandita por ações”, facultada a designação do objeto social.” (NR)

“Art. 1.358-A.  .............................................................................................

.....................................................................................................................

§ 2º  Aplica-se, no que couber, ao condomínio de lotes:

I - o disposto sobre condomínio edilício neste Capítulo, respeitada a legislação urbanística; e

II - o regime jurídico das incorporações imobiliárias de que trata o Capítulo I do Título II da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, equiparando-se o empreendedor ao incorporador quanto aos aspectos civis e registrários.

............................................................................................................” (NR)



Artigo muito bom sobre proteção ao consumidor - POR UM PACTO EMPRESARIAL DOMERCOSUL PARA A PROTEÇÃO DOCONSUMIDOR NO MEIO DIGITAL: ORIGENSE FINALIDADES

POR UM PACTO EMPRESARIAL DO MERCOSUL PARA A PROTEÇÃO DOCONSUMIDOR NO MEIO DIGITAL: ORIGENSE FINALIDADES  (clique para acessar o artigo completo)

FOR A MERCOSUR BUSINESS PACT FOR CONSUMER PROTECTION IN THE DIGITAL ENVIRONMENT: ORIGINS AND PURPOSES 

Claudia Lima Marques

O direito do consumidor é peça chave da chamada governança global.  Mas nem sempre os Estados conseguem protegê-lo de forma isolada. Assim, necessita apoio dos blocos econômicos, mas também o apoio da sociedade civil e das empresas. Soft law pode incentivar e propor pactos para e com os agentes da sociedade, inclusive as empresas, na adoção de normas de condutas consensuais, que possam melhorar a vida dos cidadãos. Sugere-se aproveitar a grande concentração de ‘big techs’ e ‘big players’ do mundo digital em nossa região para propor um Pacto Empresarial do MERCOSUL visando a proteção do consumidor no meio digital. Propõe-se uma utilização positiva dos standards empresariais para que se encontre uma declaração pública de comprometimento destes grandes ‘players’ com a proteção dos consumidores. O artigo se divide em duas partes, uma sobre os esforços do MERCOSUL para a proteção do consumidor no mundo digital. E, uma segunda, sobre a sugestão em si, suas origens, seu texto e seus objetivos.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

A extinção da punibilidade da pessoa jurídica em razão da morte do agente

 10 de dezembro de 2020, 18h57

Por José Rodolfo Bertolino

No presente texto, abordaremos o princípio da pessoalidade (intranscendência), previsto no artigo 5º, XLV, da Constituição Federal/88, em especial sua relação e aplicação jurisprudencial a pessoas jurídicas como agentes de crime. Referida disposição constitucional prevê que a pena aplicada não deve ultrapassar a pessoa do agente.

Segundo Gilmar Mendes e Paulo Gonet Branco [1]:

"A Constituição Brasileira conferiu tratamento amplo e diferenciado às questões associadas à pena e à execução penal. O inciso XLV do artigo 5º estabelece o caráter pessoal da pena, prevendo que a lei poderá dispor sobre obrigação de reparar e sobre decretação de perdimento de bens. (...) O princípio da responsabilidade pessoal fixa que a pena somente deve ser imposta ao autor da infração. O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de assentar, por exemplo que 'vulnera o princípio da incontagiabilidade da pena a decisão que permite ao condenado fazer-se substituir por terceiro estranho ao ilícito penal, na prestação de serviço à comunidade'".

 

Tal máxima influenciou, de maneira direta, o estabelecimento da relação de causalidade de um delito, prevista no artigo 13 do Código Penal, a qual dispõe que o resultado de um crime é somente imputável a quem lhe tenha dado causa. Em outras palavras, a responsabilidade pela prática de infrações penais deve ser atribuída apenas àquele que tenha efetivamente praticado (seja por ato comissivo ou omissivo) a conduta, ou ainda que tenha eventualmente concorrido para a sua prática.

 

Pois bem. Estabelecido minimamente o conceito de relação de causalidade entre a conduta praticada e a pessoa do agente, avança-se para o tema central do presente texto: a extinção da punibilidade atribuída ao agente, em especial, de pessoas jurídicas.

 

Nos dizeres de Cezar Roberto Bitencourt [2], a pena não é o elemento do crime, mas, sim, consequência natural da prática de uma ação típica, antijurídica e culpável. Todavia, existem situações que obstam a aplicação e/ou a execução da reprimenda estabelecida para a conduta praticada. Em tais hipóteses, opera-se a extinção não do delito em si, mas, sim, do direito estatal de punir a infração cometida pelo agente.

 

O artigo 107 do Código Penal, em seus incisos de I a IX, dispõe todas as situações em que se deve operar a extinção da punibilidade, ficando o agente livre do cumprimento de qualquer tipo de medida. Aqui, destaca-se que "agente" se refere tanto à pessoa física quanto à pessoa jurídica (relembrando, claro, que a atribuição de responsabilidade criminal a entes morais é permitida apenas em questões relacionadas a crimes ambientais — artigo 225, §3º, CF/88).

 

Quando tratamos de uma pessoa física, a situação é simples, uma vez que o ciclo de vida de um indivíduo é conhecido por todos: 1) nascimento; 1) crescimento; 3) envelhecimento; e 4) morte. No entanto, e com relação a entes não naturais? Como se comprova a "morte" de uma pessoa jurídica?

 

Para obtenção da resposta, é necessário tecer breves comentários sobre referidos entes morais. A legislação brasileira não fornece uma definição específica sobre empresa, mas, sim, sobre o empresário (artigo 966, do Código Civil). Em termos leigos (não legais), empresa se resume a uma espécie de sistema econômico criado para oferecer à sociedade determinado produto e serviço. Sua "vida" é iniciada a partir de sua inscrição (CNPJ e inscrições estaduais) perante os órgãos estaduais competentes e registro de seus atos constitutivos (artigo 985, do Código Civil). Ora, se considerarmos que a vida está diretamente relacionada ao CNPJ, pode-se entender por a "morte" da pessoa jurídica quando se opera o cancelamento de sua identidade/inscrição no cadastro nacional e consequente perda de personalidade jurídica.         

 

De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro (Código Civil e Lei das Sociedades Anônimas [3]), tal situação pode ocorrer nas hipóteses de incorporação — absorção de uma ou mais sociedades por outra —, fusão — união de duas ou mais sociedades para formação de uma terceira — e cisão — transferência de patrimônio para sociedades já existentes ou constituídas apenas para este fim.

 

O entendimento está, inclusive, consolidado na jurisprudência dos tribunais [4], representado abaixo por um julgado do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:

 

"Processual civil. Incorporação. Sucessão processual. Agravo regimental interposto por terceiro (incorporador). Sociedade recorrida (incorporada) extinta. Demonstração posterior ao ato de interposição. Inteligência da súmula nº 115 do STJ, aplicada por analogia. Conforme disciplina a Lei nº 6.404, de 15/12/1976 (Lei das Sociedades por Ações), a incorporação — operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra — enseja a extinção da personalidade jurídica da sociedade incorporada, equiparando-se, para efeitos legais, à morte da pessoa física ou natural. (...) 4. Agravo regimental não provido" (STJ — 2ª T. — AgRg no REsp 89.557/RS — relator ministro Mauro Campbell Marques — DJe 27/10/2010).

 

Pois bem. Fixadas as hipóteses de "morte" da pessoa jurídica, passa-se a entender se (e como) referida situação jurídica pode ser interpretada quando relacionada ao Direito Penal. A situação é peculiar, controversa e vem ganhando espaço nos tribunais brasileiros.

 

Há quem diga que, por conta da possibilidade de sucessão de obrigações entre sociedades incorporadas, cindidas ou que foram objeto de fusão, é possível que a responsabilidade criminal também seja transmitida, logo, não haveria óbice ter como iniciada uma persecução penal contra uma pessoa jurídica que já "não existe mais". Tal situação, com a devida vênia, está equivocada, uma vez que, de acordo com o princípio da pessoalidade (ou instranscendência), a reprimenda penal jamais ultrapassará o limite da pessoa do agente (artigo 5º, XLV, CF/88), sendo vedada, de maneira expressa, a transposição/transferência de penas e de responsabilidade penal.

 

Ou seja, terceiros estranhos à empreitada criminosa não podem, em hipótese alguma, serem responsabilizados e objeto de punição pelo Direito Penal.

 

E não é só. Em se tratando de Direito Penal, deve-se observar o princípio da estrita legalidade, o qual obsta a utilização de analogia jurídica para criação de tipos penais incriminadores e/ou em malefício ao réu/acusado. Em outras palavras, se não existe dispositivo legal que permita a transferência de responsabilidade penal em casos de operações societárias (o que não existe em nosso ordenamento jurídico), tal hipótese jamais deve ocorrer.

 

O raciocínio contrário, no entanto, é permitido. Vejamos.

 

A Lei 9.605/98, que trata especificamente de delitos cometidos contra o meio-ambiente e da possibilidade de responsabilização criminal de pessoas jurídicas, é silente no tocante ao reconhecimento da extinção da punibilidade de agentes de crimes ambientais em razão da "morte" do agente. Tal situação nos leva diretamente a uma disposição geral de referida lei (artigo 79), a qual determina que, na ausência de normas legais específicas, aplicam-se subsidiariamente, por extensão, as normas previstas nos Códigos Penal e de Processo Penal.

 

Dessa forma, por analogia arrimada no artigo 107, I, do Código Penal, o qual prevê a extinção da punibilidade em razão da morte do agente, nos parece extremamente possível o reconhecimento quando se trata de agente pessoa jurídica, sobretudo em razão da extinção de sua personalidade jurídica.

 

O Superior Tribunal de Justiça já se deparou com o tema (HC 283.807) e determinou a aplicação, por analogia, de referido dispositivo legal em situação em que se operou a extinção da personalidade jurídica de um ente moral, determinando o reconhecimento da extinção da punibilidade em razão da morte do agente:

 

"2. Preliminares 2.1. Da extinção da punibilidade em relação a pessoa jurídica. A despeito das várias preliminares suscitadas pela Iron Construtora e Incorporadora Ltda. e seu representante nas contrarrazões de fls. 408/453, constata-se que a empresa foi extinta por força de liquidação voluntária, inclusive com baixa de seu CNPJ, com se confere de fls. 458/459. Nessa hipótese, aplica-se analogicamente o artigo 107, I, do CP, para declarar a extinção da punibilidade, mesmo porque, como bem frisou o MPF às fls. 471/472, uma das consequências que lhe seria imposta diante de eventual condenação seria exatamente sua liquidação forçada, a teor do artigo 24 da Lei nº 9.605/98, valendo frisar que o MPF direcionou acusação também contra aqueles a quem reputa os verdadeiros dirigentes da empresa, sem prejuízo da apuração de responsabilidade, a princípio. Portanto, declaro extinta a punibilidade da denunciada Iron Construtora e Incorporadora Ltda.".

 

O Tribunal de Justiça do Paraná, recentemente, concedeu liminar, em sede de mandado de segurança [5], determinando a suspensão de ação penal intentada contra pessoa jurídica com base justamente na possibilidade de reconhecimento da aplicação do artigo 107, I.

 

O caso, que versa sobre a suposta prática do delito de poluição qualificada (artigo 54, §2º) por empresa incorporada por um grupo empresarial, tramita perante a comarca de Arapongas (PR), cuja materialidade delitiva, de acordo com o Ministério Público Estadual, restaria comprovada por fotografias. À época, a denúncia foi oferecida apenas contra a pessoa jurídica, não tendo a conduta sido imputada a nenhum dos sócios então responsáveis pela empresa.

 

Em sua decisão, o desembargador José Maurício Pinto de Almeida pontuou que a perda da personalidade jurídica em razão da empresa ré ter sido incorporada altera sua capacidade e possibilidade de estar em juízo, de modo que não seria possível o exercício de qualquer pretensão penal contra referida empresa:

 

"Sob o aspecto da extinção da pessoa jurídica, a empresa ora incorporada (Agrícola Jandelle S.A.) perde a sua capacidade de estar em Juízo como polo passível de punição, inviabilizando-se o exercício de qualquer pretensão penal dirigida em desfavor daquela, obstando-se a punição da incorporadora (Seara Alimentos Ltda.) em face do princípio da intranscendência. Consigne-se que, em tese, se está extinta a pessoa jurídica (CNPJ 74.101.569/0008-56), há um fim — uma baixa —, e, com este fim, poderia entender-se que, por analogia, ocorreu a morte do denunciado, ocorrendo a extinção da punibilidade nos termos do artigo 107, inciso I, do CP. (...) Todavia, não obstante o supra relatado, determino, ao momento, e por cautela, tão somente a suspensão do trâmite do processo criminal nº 0000031-44.2012.8.16.0045 até o julgamento do mérito deste mandamus".

 

O entendimento do TJ-PR contrariou argumento levantado pelo Ministério Público Estadual de primeira instância, o qual alegou que a garantia constitucional levantada no caso (princípio da intranscendência) estaria sendo utilizada apenas para que a empresa denunciada se furtasse de eventual responsabilização criminal.

 

A decisão do eminente desembargador soa extremamente acertada, uma vez que, com base no exposto acima, é plenamente plausível reconhecer-se a extinção da punibilidade de um agente pessoa jurídica em razão de sua morte com base em interpretação analógica do artigo 107, I, do Código Penal. Além disso, não há que se falar, em hipótese alguma, em manobra evasiva, uma vez que a garantia está prevista no rol de princípios e garantias fundamentais da CF/88, pedra angular de um Estado democrático de Direito, e à defesa cabe a utilização de qualquer argumento que beneficie os interesses de seus clientes.

 

Não se pode olvidar também que, além da garantia constitucional que veda a transferência de responsabilidade, em se tratando de matéria penal, não se permite a incidência de obrigação propter rem, uma vez que, para fins de responsabilização e aplicação de eventual sanção, o elemento subjetivo da conduta ilícita praticada deveria ser demonstrado de maneira clara, e não presumido em razão de uma aquisição societária.

 

A Procuradoria-Geral de Justiça, ao se pronunciar em referidos autos, manifestou-se totalmente favorável à concessão da segurança e do reconhecimento da extinção da punibilidade da pessoa jurídica em questão. Referida manifestação ministerial, apoiada em julgado exarado pelo Superior Tribunal de Justiça (Resp 1.251.697/PR), além de destacar que o princípio da intranscendência deve ser plenamente aplicado não apenas ao Direito Penal, mas também a todo e qualquer direito sancionador, pontuou, conforme destacado acima, a não incidência de obrigação propter rem no Direito Penal:

 

"Dito isto, pondero que no presente caso não se cogita de reconhecimento de trancamento de ação penal por inépcia da denúncia ou por ausência de justa causa, como aliás bem decidido no deferimento da liminar e exposto na contestação da Promotoria de Justiça (que adoto, neste aspecto, como fundamento deste parecer), porém merece redobrada atenção a questão que envolve a sucessão de empresas (...).

No âmbito civil já é pacífico que a obrigação de reparar dano ambiental é propter rem, aliás, neste último caso a Súmula 623, do Superior Tribunal de Justiça é clara ao dispor que: 'As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor'.

Por outro lado, no nosso ordenamento jurídico não se cogita de uma responsabilização administrativa e sobretudo criminal sob o pretexto de que a obrigação de reparar tem natureza propter rem, como querem o Juízo a quo e a Promotoria de Justiça".

 

Ou seja, em se tratando de Direito Penal, não é permitida sucessão corporativa, situação em que ocorre a transferência de passivos e ativos.

 

No julgamento de mérito, ocorrido neste dia 10 de dezembro, e conduzido pela 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, foi determinado, por votação unânime, o trancamento de referida ação penal. O entendimento firmado pela turma julgadora fui justamente pelo reconhecimento da extinção da punibilidade (pela morte do agente) em razão da extinção da pessoa jurídica acusada.

 

Segundo a turma julgadora, haveria óbice no reconhecimento da modalidade de extinção em situações em que fosse possível a comprovação de que determinada operação societária teria como único objetivo burlar eventual responsabilização criminal, o que não ocorreu no caso julgado.

 

Assim, conforme já dito acima, o tema ainda é controverso, e certamente ganhará cada vez mais espaço nos tribunais brasileiros, nos restando apenas aguardar e torcer para que as discussões sejam ricas em argumentos e que o entendimento seja cada vez mais consolidado.

 

[1] Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. — São Paulo: Saraiva Educação 2019.

[2] Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 21 ed — São Paulo: Saraiva, 2015: p. 881.

[3] Artigo 227 a 229 da Lei 6.404/76 e artigo 1116 a 1122 do Código Civil.

[4] No mesmo sentido: TJ-SC Apelação Cível 0014854-54.2008.8.24.008, TRF 3 Apelação Cível 0011383-17.2013.4.03.6105, TJSC Apelação Cível 0000182-71.2013.8.24.0006.

[5] TJ-PR Mandado de Segurança nº 0038170-25.2020.8.16.0000.

José Rodolfo Bertolino é advogado, especialista em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas e integrante do departamento jurídico da empresa JBS S.A..