quarta-feira, 25 de maio de 2016

Imóvel de pessoa jurídica oferecido em garantia de empréstimo pode ser penhorado


Imóvel de pessoa jurídica oferecido como garantia para contrair empréstimo em banco, desde que não seja de pequeno empreendimento familiar, cujos sócios sejam da família e a sede se confunda com a moradia, pode ser penhorado em caso de falta de pagamento da dívida.

A decisão unânime foi da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao analisar um caso acontecido no Distrito Federal. Um casal de aposentados contraiu um empréstimo em nome de uma empresa de artigos de decoração, oferecendo como garantia um imóvel de propriedade de uma segunda empresa, do setor de transporte.

Com o vencimento do empréstimo, o banco ajuizou ação para penhorar o imóvel dado em garantia. A defesa do casal alegou que a penhora é indevida, porque o bem é de família e local de moradia há 26 anos.

Propriedade

O juiz de primeiro grau decidiu pela penhora por se tratar de bem de propriedade de pessoa jurídica não beneficiária da Lei 8.009/90, que regula a impenhorabilidade de bens de família.  A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).

Inconformado, o casal recorreu ao STJ. Na defesa, alegou que a impenhorabilidade do imóvel, ainda que de pessoa jurídica, resultaria no reconhecimento constitucional à moradia. Argumentou ainda que o imóvel penhorado vale R$ 5 milhões, enquanto a dívida não ultrapassaria os R$ 200 mil.

No STJ, o caso foi relatado pelo ministro Moura Ribeiro, da Terceira Tuma, especializada em direito privado. No voto, Ribeiro salientou que o objetivo da lei ao instituir a impenhorabilidade tem por objetivo proteger a família.

Bem de família

“Assim, quando um imóvel é qualificado como bem de família, o Estado reconhece que ele, em regra, na eventual inexistência de outros bens, não será apto para suportar constrição por dívidas”, considerou.

No caso em análise, no entanto, o imóvel, ainda que utilizado como moradia familiar, de propriedade de uma empresa, foi oferecido como garantia pelo casal de idosos para tomar um empréstimo, que não foi quitado, salientou o ministro.

“Desse modo, a conclusão possível é que a dívida foi contraída em proveito do núcleo familiar e não para assegurar empréstimo obtido por terceiro, razão pela qual não há que se falar em impenhorabilidade do bem, cabendo registrar a ofensa ao princípio da boa-fé objetiva que deve ser observado na realização de negócio jurídico”, afirmou Ribeiro.

terça-feira, 24 de maio de 2016

O novo CPC aplica-se supletivamente à Lei dos Juizados Especiais



Por 

Recentemente surgiu a polêmica sobre se o novo Código de Processo Civil (CPC) tem aplicabilidade supletiva à Lei 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais) nos processos cíveis.

A ministra Nancy Andrighi, com toda a autoridade do cargo que ocupa, se não encabeça, aderiu à vertente dos que preconizam a inaplicabilidade do novo CPC aos processos perante o Juizado Especial Cível.

Segundo noticiado pela ConJur, a ministra entende que “as regras do Código de Processo Civil, tanto do anterior como do que entrou em vigor no último dia 18 de março, não se coadunam com o sistema dos juizados especiais”. Ainda conforme seu entendimento, “isso tem um motivo: dar aos juízes liberdade para, com base nos princípios da informalidade e simplicidade que regem essas instâncias, adotarem o procedimento mais adequado à resolução dos conflitos”.

Preocupante deparar com entendimento dessa natureza, ainda mais exarado por uma alta autoridade judiciária.

Isto porque a primeira coisa que salta aos olhos é o viés de defender uma liberdade aos juízes do Juizado Especial Cível que nenhum outro possui, qualquer que seja a instância: a liberdade e fazer o que bem quiser no processo sob sua superintendência.

Ora, tal concepção interpretativa não tem a menor possibilidade de medrar em nosso sistema jurídico porque é a Constituição Federal que estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

O que exatamente quer dizer esse preceito constitucional? Será que alguém, inclusive uma autoridade constituída, consultando sua própria vontade discricionária, mundivisão ou entendimento sobre o que acha certo ou errado pode obrigar outra pessoa a fazer ou deixar de fazer alguma coisa?

Penso que não. Ou há lei que obrigue a pessoa a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, com base na qual o juiz ou qualquer outra autoridade constituída deve fundamentar a decisão a constranger alguém a fazer ou deixar de fazer algo, ou não se pode obrigar ninguém a fazer aquilo que se deseja que faça. Essa é a única interpretação possível, lógica, racional que não subestima a inteligência dos destinatários do preceito constitucional, concebido como uma garantia constitucional que deve ser evocada principalmente em face das autoridades constituídas como defesa do indivíduo em contraposição a alguma ordem para que faça ou deixe de fazer alguma coisa. Aliás, a definição de abuso de autoridade e de poder finca sua definição nessa garantia constitucional. Será sempre abusiva a ordem promanada de uma autoridade constituída para que alguém faça ou deixe de fazer alguma coisa sem que haja lei obrigando-a a tanto.

Portanto, a ideia de que os juízes do Juizado Especial Cível possam ter uma liberdade quase que absoluta para conduzir o processo perante eles da forma como quiserem, sem qualquer parâmetro legal em que possam abeberar as partes (o jurisdicionado) a fim de conhecerem previamente as regras do jogo, as condutas que devem observar, definitivamente não encontra guarida no nosso ordenamento jurídico. O processo seria kafkiano; as regras poderiam não ser mais objetivas e o que vale para uma das partes, não valeria para a outra, ou, em processos congêneres perante juízes diferentes, o que vale para uns jurisdicionados não valeria para outros, o que é, para dizer o mínimo, inaceitável porque fere de morte além da garantia constitucional prevista no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, as garantias prometidas nos incisos LIV e LV do mesmo artigo 5º, consistentes das cláusulas do devido processo legal e da ampla defesa.

Sobe o devido processo legal é suficiente dizer que não basta ser devido, é preciso ser legal, o que significa que é necessário que siga as normas que o disciplinam, as quais devem ser portadoras de certeza e segurança jurídica, isto é, de previsibilidade sobre como o processo irá desenvolver-se ao longo de sua marcha no tempo e que atos podem, como e quando, ser praticados.

O fato de o artigo 2º da Lei 9.099/1995 estabelecer diretivas principiológicas orientadoras do processo perante o Juizado Especial Cível que privilegiam os "critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade" não chega a ponto de prescindir a observância de certos regramentos responsáveis pela certeza do direito e segurança jurídica.

Em nosso sistema, inaugurado pela Constituição Federal, não tem guarida a delegação de poderes para que o juiz aja como legislador. Não há em nosso ordenamento nenhuma norma com a que existe em legislações alienígenas segundo as quais, quando a lei for omissa, o juiz deva decidir como se legislador fosse. Entre nós vige um sistema de competências rígidas, bem definidas. E a competência para legislar em matéria processual é exclusiva da União (CF, artigo 22, I). Portanto, juiz não pode legislar. E se não pode legislar, “a fortiori” não pode criar norma de direito processual civil, qualquer que seja a competência para a ação (Justiça Comum, Federal, ou Juizado Especial).

As diretrizes principiológicas que povoam o artigo 2º da Lei 9.099/1995 têm utilidade para compreender as normas daquela lei e aquelas do Código de Processo Civil que se aplica supletivamente por expressa disposição legal. Atinam com o “enforcement” dessas normas, mas não constituem um alvará para revogá-las porque só quem pode revogar alguma lei é o Poder Legislativo, a menos que o Judiciário não respeite mais a divisão de competências estabelecida pela Constituição Federal e o dever de harmonia entre os poderes, expressamente prescrito em seu artigo 2º.

A Lei 9.099/1995 foi concebida sem qualquer disposição sobre alguns recursos e sobre o critério de fluência e contagem de prazos. Contudo tal defectibilidade da lei especial resolve-se com a aplicação da lei geral (LINDB, artigo 2º, § 2º), “in casu” a Lei 5.869/1973, o antigo Código de Processo Civil que se harmonizam segundo os preceitos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB, Decreto-lei 4.657/1942), e, naturalmente, sob a orientação científico-doutrinária da hermenêutica jurídica a respeito dessa matéria.

Com base nessas fontes de conhecimento científico sedimentou-se o entendimento em prol da admissibilidade, do agravo de instrumento como expediente recursal útil para desafiar decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. A contagem dos prazos previstos na Lei 9.099/1995 sempre foi feita em conformidade com as regras previstas no CPC/1973, agora revogado.

Sustentar a incompatibilidade de diálogo entre essas fontes de direito implica fazer submergir o jurisdicionado nas trevas da ausência de norma sobre diversas questões, sujeitando-o às subjetividades solipsistas e discricionárias do juiz, eliminando toda certeza e segurança jurídica do direito e do processo perante o Juizado Especial Cível.

Malgrado nem a Lei 9.099/1995, nem o CPC/1973 contenham qualquer norma expressa no sentido de determinar a aplicação supletiva deste em relação àquela, a supletividade é uma consequência do próprio sistema jurídico em vigor com baldrame legal nas disposições da LINDB, bem como reflexo do desenvolvimento científico do direito em geral e do direito processual em específico. Exatamente em razão disso o CPC/1973 sempre se aplicou supletivamente aos processos perante o Juizado Especial Cível desde o advento da Lei 9.099/1995.

No caso do novo Código de Processo Civil a supletividade deste em relação à Lei 9.099/1995 conta com expressa disposição legal contida no § 2º do artigo 1.046, segundo o qual “Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código”. Ou seja, naquilo que a Lei 9.099/1995 é omissa, por imperativo da certeza do direito e da segurança jurídica, a lacuna é colmatada pelas disposições do novo CPC.

Por exemplo, no âmbito dos Juizados Especiais deve admitir-se a interposição de agravo de instrumento nas hipóteses previstas pelo novo CPC; as decisões monocráticas proferidas por relator do Colégio Recursal caberá agravo interno para o órgão competente; as sentenças proferidas pelos juízes do Juizado Especial Cível , dispensado o relatório na forma do artigo 38 da Lei 9.099/1995, deve observar as disposições do artigo 489 do novo CPC, ainda que de modo sucinto, porque os “elementos de convicção do juiz” devem decorrer da síntese que faz a partir da tese e da antítese representadas pelos argumentos relevantes agonísticos deduzidos pelas partes; os embargos de declaração, contudo, no âmbito do Juizado Especial Cível, possui disciplina especial, de modo que sua interposição não interrompe o prazo para outros recursos, mas apenas o suspende, de sorte que o prazo volta a correr pelo tempo que faltava quando os embargos foram interpostos; por fim, os prazos no Juizado Especial continuam sendo aqueles previstos na lei especial, e só quando nesta não houver previsão é que serão os do CPC; a contagem, porém, deve seguir os critérios adotados pelo CPC, uma vez que a Lei 9.099/1995 não possui qualquer norma que discipline a contagem dos prazos processuais no âmbito do Juizado Especial Cível.

Não interessa ao Estado, nem à sociedade, um processo célere, porém imperfeito, com resultado injusto e contrário ao direito material. A celeridade do processo não pode ser um valor superior à qualidade do serviço de prestação jurisdicional e muito menos ainda superior ao que é justo, conforme o direito, conforme a lei. Daí por que a razoável duração do processo deve ser vista como um valor, uma meta a ser perseguida, mas sempre conforme as normas legais que disciplinam a marcha processual, entre elas as possibilidades de recurso, porque o recurso representa a revisão de uma decisão para escoimá-la de eventuais vícios a fim de garantir o resultado justo e conforme o direito, tudo a ser alcançado no tempo previsto em lei para a prática dos atos processuais. Em síntese, razoável duração do processo é aquela necessária para uma decisão qualificada como justa e de acordo com a lei.

Finalmente, por mais que os juízes não gostem, devem sempre ser lembrados que seus poderes não são absolutos. Antes, são limitados por uma vontade soberana que paira acima deles como de todos nós: a vontade da lei. Afinal, estamos ou não todos sob o império da lei? Demais disso, respeitar, cumprir e aplicar as leis e a Constituição é um dever ético e moral de todo juiz em cumprimento do compromisso assumido ao prestar solene juramento em tal sentido quando toma posse do cargo (artigo 79 da Loman).

À guisa de conclusão, o novo CPC tem sim aplicação supletiva em relação à Lei 9.099/1995. E a aplicação supletiva não é meramente subsidiária, porquanto suplementar significa acrescer o que falta, de modo que as normas do CPC devem aplicar-se aos procedimentos disciplinados pela Lei 9.099/1995 sempre que esta não tenha disciplina própria existente naquele e com a qual não encete conflito frontal.

sábado, 21 de maio de 2016

Manter licitação com apenas um empresa é improbidade administrativa


A manutenção de processo de licitação, por meio de carta convite, com apenas uma empresa, depois que duas concorrentes foram excluídas por problemas de documentação é fraude. Por essa razão, juiz Rubens Petersen Neto, da 2ª Vara Cível de Tatuí, cassou o mandato do prefeito José Manoel Correa Coelho, o Manu (PMDB), e determinou a suspensão de seus direitos políticos por oito anos.

Além disso, Manu terá que devolver R$ 157 mil ao poder público e pagar multa de R$ 314 mil, o dobro do prejuízo dado à prefeitura. A empresa contratada e seus dois sócios também foram condenados por improbidade administrativa.

O caso que motivou a ação do Ministério Público de São Paulo foi a contratação de uma empresa para prestar serviços de cobertura jornalística para a prefeitura. A licitação aconteceu pela modalidade convite, na qual três empresas foram convidadas a participarem e apresentarem suas propostas para que o órgão público escolha a mais vantajosa.

Entretanto, duas das empresas convidadas não apresentaram as documentações necessárias e foram excluídas, restando somente a empresa que foi considerada vencedora. De acordo com o MP-SP, a Prefeitura não poderia ter dado continuidade à licitação com a desclassificação das outras empresas.

Segundo o Ministério Público, era necessária a repetição do convite, uma vez que das três empresas escolhidas pela administração, duas não apresentaram os documentos necessárias para a habilitação, limitando o universo do certame a apenas uma empresa.

O prefeito, a empresa e seus representantes afirmaram que não houve ato de improbidade administrativa, tendo em vista que a contratação ocorreu de forma regular, obedecendo a legislação.

Porém, para o juiz Rubens Petersen Neto, o ato de improbidade ficou comprovado uma vez que não houve qualquer justificativa para o seguimento da licitação sem que tivesse sido feita a convocação de outros possíveis interessados. Segundo o juiz, não havendo a participação do número mínimo de propostas aptas à seleção, deveria haver a repetição do convite, o que não ocorreu.

"As condutas dos réus afrontaram os princípios administrativos constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência e finalidade, agindo com improbidade na gestão do patrimônio público, tornando absolutamente nulo o ato licitatório e decorrendo o dever de reparar o dano pelo ato ilícito praticado", concluiu o juiz.

Outras irregularidades
Além do modo como foi feita a contratação, o Ministério Público apontou ainda outras duas ilegalidades: o uso de uma auxiliar de gabinete do prefeito como repórter da empresa contratada; e uso dos serviços da empresa vencedora para promoção pessoal do prefeito Manu.

Quanto a esses pontos, o juiz também considerou irregular a conduta do prefeito e da empresa contratada. Para o juiz, a utilização da auxiliar de gabinete como repórter da empresa causou dano ao erário, uma vez que o município continuou a pagar os salários da servidora comissionada. "Não se cuida de simples irregularidade, uma vez que os réus causaram dano ao erário, ao deslocar e utilizando-se de funcionário público para prestar serviços particulares", afirmou o juiz.

No que diz respeito à utilização da empresa contratada para a promoção pessoal, o juiz concluiu que houve publicidade disfarçada de notícia de interesse municipal. "Nos vídeos que foram produzidas pelos requeridos, embora tenham um viés informativo, sem dúvida o conteúdo em que foi produzido denota evidente intenção de promover pessoalmente o administrador, ofendendo ao princípio básico da administração pública da impessoalidade", registrou o juiz.

Ao finalizar o seu argumento, o magistrado concluiu que os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, economicidade e finalidade foram desconsiderados pelos réus, uma vez que a lei não permite que uma empresa licitante tenha privilégios ou preferências em relação às outras.

Clique aqui para ler a sentença.

1004395-04.2014.8.26.0624

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Duplicada. Cambial. Aceite em separado. Invalidade. Embargos à execução. Títulos de crédito. Duplicata mercantil. Aceite em separado. Inadmissibilidade.

STJ - Rec. Esp. 1334464 - Rel.: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva

Duplicada. Cambial. Aceite em separado. Invalidade. Embargos à execução. Títulos de crédito. Duplicata mercantil. Aceite em separado. Inadmissibilidade. Ato formal. Ausência de eficácia cambial. Falta de executividade. Prova da relação negocial. Instrução de ação monitória. Recurso especial. Comercial. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. Lei 5.474/1968, arts. 7º, 8º, 15, I e II e 16. Decreto 57.663/1966, art. 25 (Lei Uniforme de Genebra - LUG).

EMENTA OFICIAL: Recurso especial. Comercial. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. Embargos à execução. Títulos de crédito. Duplicata mercantil. Aceite em separado. Inadmissibilidade. Ato formal. Ausência de eficácia cambial. Falta de executividade. Prova da relação negocial. Instrução de ação monitória.

1. Cinge-se a controvérsia a saber se é possível o aceite em separado na duplicata mercantil.

2. O aceite promovido na duplicata mercantil corresponde ao reconhecimento, pelo sacado (comprador), da legitimidade do ato de saque feito pelo sacador (vendedor), a desvincular o título do componente causal de sua emissão (compra e venda mercantil a prazo). Após o aceite, não é permitido ao sacado reclamar de vícios do negócio causal realizado, sobretudo porque os princípios da abstração e da autonomia passam a reger as relações, doravante cambiárias (art. 15, I, da Lei 5.474/1968).

3. O aceite é ato formal e deve se aperfeiçoar na própria cártula (assinatura do sacado no próprio título), incidindo o princípio da literalidade (art. 25 da LUG). Não pode, portanto, ser dado verbalmente ou em documento em separado. De fato, os títulos de crédito possuem algumas exigências que são indispensáveis à boa manutenção das relações comerciais. A experiência já provou que não podem ser afastadas certas características, como o formalismo, a cartularidade e a literalidade, representando o aceite em separado perigo real às práticas cambiárias, ainda mais quando os papéis são postos em circulação.

4. O aceite lançado em separado à duplicata não possui nenhuma eficácia cambiária, mas o documento que o contém poderá servir como prova da existência do vínculo contratual subjacente ao título, amparando eventual ação monitória ou ordinária (art. 16 da Lei 5.474/1968).

5. A duplicata despida de força executiva, seja por estar ausente o aceite, seja por não haver o devido protesto ou o comprovante de entrega de mercadoria, é documento hábil à instrução do procedimento monitório.

6. Recurso especial provido.

Rec. Esp. 1.334.464 - RS - (2012/0148102-3) - Rel.: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva - Recorrente: Multilab Indústria e Comércio de Produtos - Farmacêuticos Ltda (advogado: Eduardo Orlandini e Outro (s)) - Recorrido: Intec Salto Fomento Mercantil Ltda (advogado: Alessandro Mambrini e Outro (s)) - J. em 15/03/2016 - DJ(e) 28/03/2016 - 3ª T. - STJ

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha (Presidente) e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 15 de março de 2016 (Data do Julgamento)

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva - Relator

terça-feira, 17 de maio de 2016

Empresas condenadas a pagar indenização por comercial irregular de cigarro


Fonte: Superior Tribunal de Justiça

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou um fabricante de cigarro e outras duas empresas de comunicação, responsáveis por um comercial considerado irregular, a pagarem indenização por dano moral coletivo de R$ 500 mil.

A indenização resulta de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) por considerar que o comercial de uma marca de cigarros afetou direitos difusos, atingindo crianças e adolescentes.  O anúncio foi veiculado em 2000, época em que a legislação brasileira não proibia publicidade de cigarro.

Os ministros da Quarta Turma aprovaram o voto do relator do caso, ministro Marco Buzzi, que manteve a condenação das empresas estabelecida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). O ministro reduziu, no entanto, o valor da indenização de R$ 4 milhões para R$ 1 milhão. Durante o julgamento, os ministros decidiram reduzir para R$ 500 mil.

Saúde pública

No voto, o relator salientou a “tarefa hercúlea” de definir o prejuízo provocado à saúde pública pela publicidade. Marco Buzzi também citou o entendimento já firmado no STJ no sentido de limitar a intervenção da corte aos casos em que o valor da indenização é arbitrado em quantia irrisória ou excessiva.

O ministro ressaltou que a indenização definida pelo TJDFT, em valor atualizado, alcançaria R$ 15,87 milhões. “Veja-se, portanto, que a indenização revela-se desproporcional ao dano e merece reparos”, afirmou.

Marco Buzzi manteve ainda a decisão colegiada do TJDFT, negando pedido do MPDFT de divulgação de uma contrapropaganda para desfazer os malefícios causados pelo comercial do cigarro.

Para o ministro, uma contrapropaganda revela-se desnecessária em razão do longo período entre a divulgação do comercial e a data atual. “Ou seja, a sua divulgação não mais atende a função de desfazer os efeitos nocivos da publicidade veiculada”, concluiu.

Denúncia por crime ambiental pode responsabilizar apenas pessoa jurídica


De acordo com o Ministério Público, a mineradora causou incêndio em uma área de 24 hectares localizada no parque nacional, em julho de 2005. A Vale executava pesquisas minerais na área quando alguns de seus tratores entraram em atrito com o solo, rico em ferro, produzindo faíscas que geraram fogo na vegetação seca, segundo a denúncia.

A Vale apresentou mandado de segurança alegando que a ação penal deveria ser trancada, pois o MP não respeitou a teoria da dupla imputação. Segundo essa tese, nos crimes ambientais praticados por pessoas jurídicas, a organização deve ser denunciada juntamente com a pessoa física responsável pelo delito.

O pedido da mineradora foi negado pelo Tribunal de Justiça do Pará. No recurso dirigido ao STJ, insistiu que, conforme a Lei 9.605/98 (sobre crimes ambientais), empresas só praticam atos mediante a atuação de seus administradores, de forma que a possibilidade de responsabilização penal só existe quando seus gestores são denunciados de forma simultânea.

O ministro relator, Reynaldo Soares da Fonseca, discordou do argumento.  “É bem verdade que, num primeiro momento, a jurisprudência desta corte adotou a teoria da dupla imputação necessária em crimes contra o meio ambiente”, disse. Mas ele apontou que o STJ mudou seu ponto de vista quando o Supremo Tribunal Federal flexibilizou essa possibilidade (RE 548.181). A decisão foi unânime, e o acórdão ainda não foi publicado.Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

RMS 49.721

quarta-feira, 11 de maio de 2016

77% das empresas tiveram episódio de fraude, diz relatório da Kroll

Pelo menos 77% das empresas brasileiras relatam ter constatado a ocorrência de algum tipo de fraude em seus quadros internos em 2015. O dado está presente em uma pesquisa global da consultoria de risco Kroll e foi apresentado pela diretora-geral da companhia no Brasil Snezana Gebauer em um seminário da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro nesta terça-feira (10/5). Na avaliação dela, os programas de combate à corrupção no setor privado devem ser mais efetivos.

O evento, que debateu o tema “fraude, corrupção e compliance: evitando riscos no setor privado”, trouxe um panorama da adoção, pelas empresas que atuam no Brasil, das medidas estabelecidas pela Lei Anticorrupção, de 2013, para prevenir esse crime. Na palestra, Snezana disse que o estudo encomendado pela Kroll ouviu mais de 700 executivos de diversos países: 55% deles disseram ter sido vítimas de fraude; outros 27% relataram que desistiram de investir na América Latina por causa da corrupção.

Para a executiva, a situação do Brasil é semelhante ao restante do mundo, mas que o país vem avançando no tema. Ela lembrou ainda que o país ocupa atualmente a 76ª posição no ranking que mede a percepção da corrupção em 168 países e que esse dado reafirma a importância de uma mudança cultural.

Ações efetivas

A executiva afirmou que para construir um programa realmente efetivo de compliance as empresas precisam entender o ambiente regulatório do setor em que atuam e os responsáveis pela área também precisam ter autoridade para agir dentro da companhia. “No Brasil, 91% das empresas terceirizam serviços internamente. Isso é um risco, porque as empresas não pensam nos terceirizados, não falam com eles da mesma forma como falam com os seus empregados”, destacou.

O executivo Pedro Teixeira, da ThyssenKrupp CSA [Companhia Siderúrgica do Atlântico], afirmou que o mais importante é fazer com que os funcionários compreendam as diretrizes da política de compliance, para que possam incorporá-la no dia a dia. Citando a própria empresa, ele contou que as linhas gerais do programa vêm da matriz, na Alemanha, mas são adaptadas segundo o contexto brasileiro. “Fazemos workshops com linguagem muito simples. O mais importante é que eles [os empregados] entendam”, destacou.

A ministra aposentada do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie, que mediou o debate, afirmou que a sociedade brasileira sempre foi muito condescendente com a desonestidade. Ela defendeu mudanças na legislação eleitoral a fim de evitar a aproximação dos governos às empresas para obter recursos para campanhas em troca de contratos com a administração pública.

“A sociedade está muito mais consciente dos seus direitos e exigentes com relação aos seus governantes e os serviços que são prestados pelo estado. E a partir daí vemos como consequências o que está ocorrendo. Temos construído ao longo do tempo um Ministério Público muito atuante e um Judiciário que segue por esses passos. Temos hoje consequências dos atos de incorreção que são praticados. E isso certamente vai desestimular que voltem a ocorrer”, disse à ConJur.