sábado, 17 de novembro de 2018

Um caso de amor e complice

Um caso de amor e compliance

Heloisa Carpena Heloisa Carpena

Em junho de 2018, a Intel, conhecida fabricante de processadores e um dos gigantes do Vale do Silício, anunciou a renúncia de seu CEO Brian Krzanich, por violação ao código de conduta da empresa [1]. Segundo foi apurado em investigação interna, Mr. Krzanich manteve relacionamento amoroso (e consensual) com uma colaboradora, fato que chegou ao conhecimento do conselho da empresa anos depois e foi caracterizado como violação ao código de conduta da companhia e à sua política de não-confraternização (non-fraternization policy).

O episódio atraiu a atenção do mercado e deixou apreensivos seus investidores, pois o executivo, que ingressara na Intel em 1982 e se tornou presidente executivo em 2013, havia conduzido a bem-sucedida estratégia da empresa, diversificando suas atividades para além dos microprocessadores, o que elevou o preço das ações em 120% durante sua gestão. Após o anúncio da saída do executivo, as ações da Intel subiram 2,1% [2] .

O fato não é inédito, mas impressiona porque a decisão, pelo menos na aparência, se opõe a uma estratégia de negócios orientada por resultados e, justamente por isso, demonstra a forte adesão da direção à política interna da empresa

Os programas de compliance se estruturam sobre vários pilares e o apoio da alta direção (tone at the top) certamente é o mais importante deles. A máxima “o exemplo vem de cima” se concretiza na exigência de que os dirigentes das empresas (C-level) estejam de fato comprometidos não apenas com o estrito cumprimento das normas legais e regulamentares, mas sobretudo com a implementação das regras internas, estabelecidas de forma voluntária a partir dos valores expressos nos códigos de ética. Os programas serão mais efetivos quanto maior for a adesão dos colaboradores, diretamente estimulada pelo apoio da alta direção.

A lei brasileira contempla este pilar como um dos requisitos da efetividade dos programas. O Decreto n. 8.420/15, que regulamentou a Lei da Empresa Limpa (Lei n. 12.846/13), quando trata da avaliação da “existência e aplicação” dos programas de integridade (art. 42), exige o “comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa”. Note-se que o tone at the top está previsto no inciso I da norma, a denotar a prioridade atribuída pelo legislador a este atributo do programa. A nível estadual, a Lei n. 7.753/17, que instituiu a obrigatoriedade da adoção do programa de integridade pelos contratantes com o Estado do Rio de Janeiro, igualmente se refere a este requisito no art. 4º, I.

A nível administrativo, também se identificam sinais da importância do comprometimento dos executivos e conselhos para o sucesso do programa de compliance. Em 2010, a Controladoria Geral da União criou o Cadastro Empresa Pró Ética, que “consiste na divulgação anual de uma relação de empresas que adotam voluntariamente medidas de integridade relacionadas à prevenção e ao combate à corrupção” [3]. A seleção é anual e tem sido rigorosa, em sua última edição, das 375 empresas inscritas, apenas 23 foram aprovadas e receberam o selo Pró Ética.

Após uma fase de análise de requisitos de admissibilidade, as candidatas devem responder a um questionário de avaliação, dividido em 6 áreas, que são: Comprometimento da Alta Direção e Compromisso com a Ética; Políticas e Procedimentos; Comunicação e Treinamento; Canais de Denúncia e Remediação; Análise de Risco e Monitoramento e Transparência e Responsabilidade Social. Serão consideradas habilitadas as empresas que totalizarem 70 pontos, dos quais 20 podem ser alcançados somente com a comprovação do “tone at the top”. Para atender a esse requisito, a empresa deve provar com evidências “de que maneira a alta direção demonstra, tanto interna como externamente, seu comprometimento com a ética e a integridade, incluindo a prevenção e o combate à corrupção e à fraude em licitações e contratos” (questão n. 1/avaliação 2017). O desafio é identificar como isso pode ser demonstrado.

A participação dos executivos nos treinamentos, suas comunicações dirigidas aos colaboradores reafirmando políticas e valores da empresa, assim como a inclusão do tema da ética nas pautas de reuniões de diretoria e conselho são exemplos de práticas e que podem ser facilmente comprováveis. Todavia, embora sejam recomendadas inclusive em diretrizes da Controladoria Geral da União, tais medidas podem não ser suficientes para que o comprometimento se realize de forma efetiva. O relato de ações concretas praticadas pelos gestores na apuração e na repressão a condutas violadoras das leis e dos valores da empresa é fundamental para comprovar o atendimento do requisito e servir de base para a “criação de uma cultura organizacional” [4].

O compliance, como parte da governança empresarial, se insere na cultura da organização e, portanto, deve ser pautado pelas suas peculiaridades, objetivos, práticas, crenças e valores. Cada um dos pilares do programa deve contemplar uma abertura a essa realidade, que é própria de cada empresa e, portanto, única. Há que se considerar, por exemplo, o grau de proximidade entre a direção e os colaboradores, que será inversamente proporcional ao tamanho da empresa e à dispersão de suas atividades, parâmetros que devem conduzir a forma e a intensidade da comunicação entre as diferentes instâncias de poder. Em qualquer estrutura empresarial, seja grande ou modesto o faturamento, com muitos ou poucos colaboradores, atuando em âmbito local ou global, a alta direção será sempre um modelo de conduta, do ponto de vista da ética.

A liderança pelo exemplo é o ponto de partida para toda e qualquer mudança que se pretenda implantar e, em regra, será capaz de promovê-la aquele que tiver o poder de decidir sobre as estratégias de negócios, assegurar recursos para o eficaz funcionamento do programa, garantir o cumprimento da política de não retaliação aos denunciantes, aplicar sanções aos infratores e celebrar acordos com autoridades públicas para a devida conformidade das práticas empresariais. Em suma, são os gestores que asseguram a confiabilidade do programa de compliance.

A alta administração deve se comportar de forma ética mesmo nas decisões sigilosas ou reservadas, e somente assim promoverá os valores da organização, encorajando as pessoas a expressarem suas preocupações, estando sempre pronto a ouvi-los, sem retaliação, assegurando que, seja quem for, será responsabilizado por atos que descumpram as normas internas e externas que regem a atividade da empresa.

O compliance, na sua dimensão de integridade, vem sendo difundido no país por leis federais e estaduais que concedem benefícios às empresas que o adotam, condicionados à demonstração de que buscam torná-lo efetivo, isto é, apto a produzir o desejado efeito de reduzir os atos de corrupção. Na dimensão concorrencial, encontra-se a expressa advertência sobre programas “de fachada”, assim definidos no Guia do Compliance publicado pelo CADE como aqueles “criados apenas para simular um interesse em comprometimento, também conhecidos como sham programs.” [5]

A lei não deixa dúvidas de que a comprovação dos efeitos do programa de integridade é indispensável à atribuição dos benefícios decorrentes do acordo de leniência, tanto assim que se refere à “aplicação efetiva de código de ética e de conduta” como condição para a celebração (art. 16 da Lei n. 12.846/13). Destaque-se que a norma legal expressamente prevê que o acordo “somente poderá ser celebrado” se e quando ficar comprovada a efetividade do programa. Vale lembrar que o descumprimento do acordo ensejará, além do impedimento de nova celebração pelo prazo de 3 anos, o restabelecimento da multa imposta de forma integral, o que torna a efetividade do programa verdadeira condição resolutiva do compromisso.

Ainda que as consequências do romance de Mr. Krzanich possam ser consideradas desproporcionais, do ponto de vista de nossa cultura latina, certamente demonstram a importância do pilar número 1 que todo programa de compliance deve possuir e comprovam, de forma inequívoca, o compromisso da administração superior, no caso, o board, com o cumprimento do código de ética da Intel.

O sistema de normas anticorrupção deve ser estímulo não à criação apenas formal de um programa de integridade, mas sim à busca de um renovado modelo de negócios que contemple a função social da empresa e crie uma consistente vantagem competitiva para aquelas que estão comprometidas com sua efetividade. É chegada a hora de as empresas atuarem em favor da promoção de uma cultura da integridade no Brasil.



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[1] https://newsroom.intel.com/news-releases/intel-ceo-brian-krzanich-resigns-board-appoints-bobswan-interim-ceo/
[2] https://www.terra.com.br/noticias/tecnologia/presidente-da-intel-brian-krzanich-deixa-cargo-aposrelacionamento-com-funcionaria,fe3d2621d9ea82587c8e975b93596e33aq2ggfzb.html
[3] http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/arquivos/documentos-emanuais/novo-regulamento-empresa-pro-etica/view
[4] http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizespara-empresas-privadas.pdf
[5] http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guiacompliance-versao-oficial.pdf

Heloisa Carpena – Advogada. Profa. PUC-Rio. Doutora em direito (UERJ). Especialista em direito do consumidor. Integrou o MPRJ na área da proteção dos interesses coletivos. Certificada em advanced compliance pela CISI (2018)

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

RFB condena primeira empresa com base na Lei Anticorrupção


A Corregedoria da Receita Federal condenou a primeira empresa com base na Lei Anticorrupção, por tentativa de suborno a um funcionário do órgão, com a aplicação de multa de R$ 552.000,00.
Apresentada a denúncia pelo próprio servidor público à Receita Federal, a Polícia Federal foi imediatamente comunicada para possível apuração criminal.
Além da multa, a empresa terá de publicar a decisão condenatória em meios de comunicação de grande circulação, refletindo diretamente na imagem da empresa no mercado em que atua. Portanto, é fundamental que os dirigentes, profissionais de compliance e todos os colaboradores conheçam os princípios básicos e entendam a abrangência e aplicação da Lei nº 12.846/2013.
Abaixo destacamos os principais pontos da Lei:
  • Responsabilidade objetiva – as empresas podem ser punidas por atos de corrupção, independentemente de culpa, bastando a comprovação de que tais atos tenha sido praticados em seu interesse ou benefício.
  • Pena de multa de alto valor – A multa para os casos de corrupção é alta, podendo inclusive, levar uma empresa à falência. O valor pode chegar a 20% do faturamento bruto anual. Se não for possível fazer esse fracionamento, a pena passa a ser de R$ 6mil a R$ 60 milhões de reais, dependendo do tamanho da empresa.
  • Acordo de Leniência – A ideia é semelhante à das delações premiadas, que povoam os noticiários na atualidade.
  • Abrangência – Todas as esferas da administração pública (municipal, estadual e federal), assim como seus respectivos órgão e entidades.
  • Sem fronteiras – A norma se estende às empresas brasileiras que atuem n exterior, em qualquer país, mesmo naqueles que não possuem uma lei similar.
Nesse sentido, os profissionais de compliance adquirem importância estratégica dentro das empresas desenvolvendo programas com a finalidade de zelar pelo compromisso com a conformidade às leis e à ética.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Artigos do Código Civil que estudamos esse ano 2018


41Pessoas jurídicas do Direito Público
44Pessoas jurídicas: quem são
50Desconsideração da personalidade jurídica
53Associação: não tem fim econômico
391Responsabilidade patrimonial
966Conceito de empresário
971S. Rural
972Quem pode ser empresário
980Eireli
981Conceito de sociedade empresária
982Cooperativa (só p. único)
982Sociedade empresária X Sociedade Simples
983Soc. Simples constituída com elementos da empresária
984S. Rural constituída conforme sociedade empresária
984S. Simples Rural que vira Soc. Empresária (pode pedir falência)
985PJ e inscrição
986Sociedade em comum / Sociedade de fato / Sociedade irregular
990S. em Comum: responsabilidade ilimitada
991Sociedade em conta de participação
991S. em Conta de Participação: responsabilidade mista
995S. em Conta de Participação: exemplo de sociedade de pessoas
997Sociedade simples
997Contrato social: como fazer e o que tem
1003S. Simples: todo mundo tem que anuir para cesão de cotas (mais exemplo de s. de pessoas)
1015Sociedade não responde por obrigações assumidas pelos administradores que não esteja especificado no objeto social
1015Administradores: excesso de poderes
1016S. Simples: Administradores respondem solidariamente por prejuízos decorrentes de culpa
1018Administradores: indelegabilidade da Administração
1020Administradores: obrigações
1021Administradores: direito do sócio fiscalizar
1023S. Simples: responsabilidade ilimitada
1023Sócios: responsabilidades
1024Sócios: benefício da ordem
1025Sócios: dívidas anteriores
1026Liquidação das quotas
1028Resolução da sociedade em relação a um sócio (PROBLEMA: apuração de haveres)
1033Sociedade unipessoal em caso incidental
1039S. em Nome Coletivo
1039S. em Nome Coletivo: responsabilidade Ilimitada
1045S. em Comandita Simples
1045S. em Comandita Simples: responsabilidade mista
1052S. Limitada
1052S. Limitada: responsabilidade limitada
1053Limitada: rege-se, nas omissões, por regras da sociedade simples
1055Limitada: quotas
1057S. Limitada: no silêncio do contrato, é sociedade de pessoas
1088S. Anônima: responsabilidade limitada
1091S. em Comandita por Ações: responsabilidade mista
1093S. Cooperativa
1113Op. Intrasocietárias
1142Conceito de estabelecimento
1150Tipos de registro das empresas
1150Início da P.J.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Mantida sentença que determinou abstenção de uso da marca Café da Roça



A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso especial da empresa Café Cajuri Ltda. que buscava a rescisão de sentença que lhe impôs a abstenção de uso da marca Café da Roça. De forma unânime, o colegiado concluiu não estarem presentes irregularidades processuais ou erros de fato capazes de justificar o acolhimento do pedido rescisório.

Em processo de indenização e uso indevido de marca proposto pela empresa Café da Roça Ltda., o magistrado de primeiro grau entendeu que ela demonstrou ser proprietária da marca Café da Roça e, por consequência, determinou que a Café Cajuri deixasse de comercializar produtos utilizando indevidamente a marca. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

Após o trânsito em julgado da condenação e o indeferimento do pedido rescisório pelo TJMG, a Café Cajuri interpôs recurso especial sob o fundamento de suposto erro de fato na sentença, já que o detentor da marca seria a empresa Café Vanil, e não a Café da Roça Ltda. A Café Cajuri também questionava a concessão de tutela jurisdicional a uma marca supostamente genérica.

O relator do recurso especial, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que a alegação do caráter genérico tem relação com a própria validade do registro da marca, pois a Lei de Propriedade Industrial excluiu de sua proteção as marcas que apresentem sinais de caráter genérico, comum, vulgar ou simplesmente descritivo.   

“A controvérsia acerca da validade desse registro não pode ser apreciada pela Justiça comum estadual, nem mesmo em caráter incidenter tantum, por se tratar de matéria da competência da Justiça Federal, tendo em vista o interesse do INPI nessa controvérsia”, afirmou o ministro ao afastar a possibilidade de conhecimento do recurso neste ponto.

Sucessão

Em relação à titularidade da marca, o relator destacou que a Justiça de Minas Gerais entendeu que a empresa Café da Roça, autora do pedido de abstenção de uso de marca, havia sucedido a titular originária da marca, o que lhe conferiu legitimidade para a propositura da demanda.

Apesar de entender que a análise sobre o suposto erro de fato exigiria a avaliação dos elementos fáticos do processo – o que é impedido pela Súmula 7 –, o ministro Sanseverino ressaltou que o titular originário da marca e a empresa atual possuem estabelecimento no mesmo local. Além disso, apontou o ministro, há nos autos documento não impugnado no processo principal que indica publicação na Revista de Propriedade Industrial sobre a transferência, por cessão, da marca registrada pela Café Vanil Ltda.

“Por tudo isso, torna-se irrelevante a alegação, deduzida no recurso especial, de que as empresas possuem CNPJ distintos, não havendo falar, portanto, em negativa de prestação jurisdicional quanto a esse ponto”, concluiu o ministro ao manter a sentença de abstenção de uso de marca.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.738.014 - MG (2015/0085836-0)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : CAFE CAJURI LTDA - ME
ADVOGADO : PAULO ROBERTO ROQUE ANTONIO KHOURI - DF010671
RECORRIDO : CAFE DA ROCA INDUSTRIA & COMERCIO LTDA - EPP
ADVOGADOS : LUIZ FERNANDO VALLADAO NOGUEIRA - MG047254
LUCILA CARVALHO VALLADAO NOGUEIRA E OUTRO(S) - MG134774

EMENTA - RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/1973). NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. TUTELA INIBITÓRIA. DEMANDA PROCEDENTE. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V E IX, DO CPC/1973. NULIDADE DA MARCA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. JULGADOS DESTA CORTE SUPERIOR. ILEGITIMIDADE ATIVA. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. IRREGULARIDADE DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. SANATÓRIA GERAL.

1. Controvérsia acerca da rescisão de sentença que condenou a empresa ora recorrente a se abster de usar a marca "Café da Roça", de titularidade da ora recorrida.

2. Negativa de prestação jurisdicional não verificada na espécie.

3. Incompetência da Justiça comum estadual para apreciar, ainda que em caráter incidental, alegação de invalidade de marca, por se tratar de controvérsia que envolve interesse de autarquia federal, o INPI. Julgados desta Corte Superior.

4. Caso concreto em que a autora da rescisória alegou invalidade da marca "Café da Roça" em razão do caráter genérico de seus elementos constitutivos (violação à literalidade do art. 124, inciso VI, da Lei de Propriedade Industrial), controvérsia que escapa à competência da Justiça comum estadual, nos termos do item 3, supra.

5. Não conhecimento da ação rescisória no que tange ao fundamento da invalidade da marca.

6. Cabimento de ação rescisória na hipótese em que o juízo fundamentou a sentença em fato inexistente, não tendo havido controvérsia na demanda originária sobre esse ponto.  Doutrina sobre o tema.

7. Caso concreto em que se mostra inviável contrastar o entendimento do Tribunal de origem acerca da transferência da titularidade da marca à ora recorrida, pois tal providência demandaria reexame dos elementos probatórios carreados aos autos. Óbice da Súmula 7/STJ.

8. Alegação de irregularidade da representação processual em virtude da ausência de identificação da pessoa que subscreveu a procuração outorgada pela empresa autora da demanda originária.

9. Caráter preclusivo e sanável desse vício, operando-se a força sanatória geral da coisa julgada. Doutrina sobre o tema.

10. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente) e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Dr(a). LUCIANA CRISTINA DE SOUZA, pela parte RECORRENTE: CAFE CAJURI LTDA – ME Brasília (DF), 12 de junho de 2018(Data do Julgamento) MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator

McDonald’s deve indenizar cliente por assalto à mão armada em drive-thru


A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (18) que a rede de fast-food McDonald’s tem responsabilidade pelos danos sofridos por consumidor que foi vítima de assalto à mão armada no momento em que comprava produtos no drive-thru do restaurante. Com a decisão, o colegiado manteve indenização por danos morais fixada em R$ 14 mil pela Justiça de São Paulo.

“No caso dos autos, configurada efetivamente a falha do serviço, não parece razoável – apenas por não se tratar de estacionamento propriamente dito, mas de local em que o cliente parqueia o seu automóvel, em um estreito corredor, muitas vezes ficando encurralado aguardando atendimento, inclusive tarde da noite –, afastar a responsabilidade do fornecedor”, apontou o relator do recurso especial, ministro Luis Felipe Salomão.

O sistema drive-thru é aquele em que o cliente é atendido sem sair do carro, normalmente disponível em restaurantes ou lanchonetes do tipo fast-food.

De acordo com o processo, enquanto comprava um lanche na cabine do drive-thru de uma loja McDonald’s no bairro de Moema, na capital paulista, o cliente foi abordado por um homem armado, que roubou sua carteira e a chave do veículo. Segundo a vítima, durante a abordagem do assaltante, nenhum dos funcionários do restaurante teria tentado ajudá-lo. 

Serviço defeituoso  

Em primeira instância, o juiz condenou o McDonald’s a indenizar o cliente por danos morais no valor de R$14 mil. O magistrado aplicou o Código de Defesa do Consumidor e enfatizou o caráter defeituoso do serviço que não fornece ao consumidor a segurança por ele esperada. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Por meio de recurso especial, a Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda. – operadora de restaurantes próprios e franqueadora da marca McDonald’s – alegou que não tem o dever legal de manter segurança armada em seus estabelecimentos, tampouco de evitar que ações criminosas ocorram nos locais onde a rede atua. Segundo o McDonald’s, o roubo à mão armada não constitui um risco inerente às suas atividades, de forma que não seria possível prever a ocorrência do crime.

O ministro Luis Felipe Salomão destacou inicialmente que o roubo com uso de arma de fogo é fato de terceiro equiparável à força maior, apto a excluir, como regra, o dever de indenizar, por ser evento “inevitável e irresistível, acarretando uma impossibilidade quase absoluta de não ocorrência do dano”.

No entanto, o relator observou que, em diversas situações, o STJ reconhece a obrigação de indenizar, a exemplo de delitos no âmbito das atividades bancárias, em estacionamentos pagos ou mesmo em estacionamentos gratuitos de shoppings e hipermercados.

Benefícios financeiros

Nesse contexto, Salomão apontou que a rede de restaurantes, ao disponibilizar o serviço de drive-thru aos seus clientes, acabou atraindo para si a obrigação de indenizá-los por eventuais danos causados.

“Isto porque, assim como ocorre nos assaltos em estacionamentos, a recorrente, em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores, assumiu o dever implícito de qualquer relação contratual de lealdade e segurança, como incidência concreta do princípio da confiança”, afirmou o ministro.

O ministro disse que, ao facilitar o atendimento com a abertura de seu balcão para o lado externo da loja, o McDonald’s possibilitou o aumento dos seus próprios lucros com a elevação do dinamismo de sua atividade. Por outro lado, ressaltou, a rede também permitiu que seus clientes fiquem menos protegidos, “salvo se passar a adotar a correspondente vigilância para o serviço, o que parece ser seu dever”.

“Portanto, diante de tais circunstâncias trazidas nos autos, tenho que o serviço disponibilizado foi inadequado e ineficiente, não havendo falar em caso fortuito ou força maior, mas sim fortuito interno, porquanto incidente na proteção dos riscos esperados da atividade empresarial desenvolvida e na frustração da legítima expectativa de segurança do consumidor médio, concretizando-se o nexo de imputação na frustração da confiança a que fora induzido o cliente”, concluiu o ministro.

No voto que foi acompanhado de forma unânime pelo colegiado, Salomão destacou que a configuração de responsabilização da rede de fast-food também advém da própria publicidade veiculada pela empresa, em que há a promessa de segurança aos clientes.
Destaques de hoje
McDonald’s deve indenizar cliente por assalto à mão armada em drive-thru
Execução de mandado de segurança em favor de anistiado só inclui juros e correção com previsão expressa
Segurança jurídica leva Primeira Turma a manter efeitos de decisão do TJRJ que suspendeu prazos processuais durante greve
Lançada obra em homenagem aos dez anos do ministro Benedito Gonçalves no tribunal

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1450434

Aval em nota promissória sem outorga conjugal é válido, mas ineficaz com relação ao cônjuge que não o consentiu


Sob a vigência do Código Civil de 2002, é válido o aval prestado em notas promissórias sem a outorga conjugal, já que nesses casos se aplica a legislação especial que rege as promissórias, a qual dispensa a autorização do cônjuge.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o recurso e manteve acórdão que julgou válido o aval prestado por uma dupla de empresários sem a assinatura da esposa e da companheira.
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que, embora a ausência de outorga não tenha o efeito de invalidar o aval, o cônjuge e a companheira não podem suportar com seus bens a garantia dada sem o seu consentimento, e deve ser protegida a meação quanto ao patrimônio comum do casal, conforme decidido no acórdão recorrido.
Fator de insegurança
No caso analisado, a esposa e a companheira dos avalistas recorreram visando a aplicação da regra geral exposta no artigo 1.647 do Código Civil, que trata da outorga conjugal.
A ministra relatora afirmou que a regra da outorga conjugal não deve ser aplicada a todos os títulos de crédito, sobretudo aos típicos ou nominados, como é o caso das notas promissórias, já que a lei especial aplicável ao caso (Lei Uniforme de Genebra) não impõe essa mesma condição.
“Condicionar a validade do aval dado em nota promissória à outorga do cônjuge do avalista, sobretudo no universo das negociações empresariais, é enfraquecê-lo enquanto garantia pessoal e, em consequência, comprometer a circularidade do título em que é dado, reduzindo a sua negociabilidade; é acrescentar ao título de crédito um fator de insegurança, na medida em que, na cadeia de endossos que impulsiona a sua circulação, o portador, não raras vezes, desconhece as condições pessoais dos avalistas”, disse a ministra.
Intenção louvável
Nancy Andrighi lembrou que no Código Civil de 1916 bastava uma simples declaração por escrito para prestar aval, mas o novo código passou a exigir do avalista casado a outorga conjugal, exceto no regime de separação absoluta de bens, sob pena de o ato ser tido como anulável.
A relatora destacou que é louvável a intenção do legislador de proteger o patrimônio da família, mas esse intuito deve ser balizado pela proteção ao terceiro de boa-fé, à luz dos princípios que regem as relações cambiárias.
“Convém ressaltar que os títulos de crédito são o principal instrumento de circulação de riquezas, em virtude do regime jurídico-cambial que lhes confere o atributo da negociabilidade, a partir da possibilidade de transferência do crédito neles inscrito”, comentou.
A relatora disse ainda que esses títulos estão fundados em uma relação de confiança entre credores, devedores e avalistas, na medida em que os atos por eles lançados na cártula vinculam a existência, o conteúdo e a extensão do crédito transacionado.
Leia o acórdão

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Execução contra devedor falecido antes da ação pode ser emendada para inclusão do espólio


Quando a ação de execução é ajuizada contra devedor que faleceu antes mesmo do início do processo, configura-se quadro de ilegitimidade passiva da parte executada. Nesses casos, é admissível a emenda à petição inicial para regularização do processo, a fim de que o espólio se torne sujeito passivo, pois cabe a ele responder pelas dívidas do falecido, conforme previsto pelo artigo 597 do Código de Processo Civil de 1973.
O entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi aplicado ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) que, em virtude da morte do devedor, entendeu que o processo executivo deveria ser suspenso até a habilitação do espólio, por meio de ação autônoma. Com a decisão, a turma permitiu que a parte credora, por meio de emenda, faça a correção do polo passivo.
Na ação de execução que originou o recurso especial, ajuizada em 2011, o oficial de Justiça certificou que o devedor havia falecido em 2007. Por isso, o magistrado determinou a suspensão do processo para a habilitação dos sucessores, mediante o ingresso com ação autônoma de habilitação.
A decisão interlocutória foi mantida pelo TJPB. Com base no artigo 265 do CPC/73, o tribunal concluiu que era imprescindível suspender a execução até a habilitação do espólio ou dos sucessores.
Antes da citação
A relatora do recurso especial do credor, ministra Nancy Andrighi, apontou que a hipótese dos autos não diz respeito propriamente à habilitação, sucessão ou substituição processual, pois esses institutos jurídicos só têm relevância quando a morte ocorre no curso do processo. Assim, segundo a relatora, não haveria sentido em se falar na suspensão do processo prevista pelo artigo 265 do CPC/73.
“Na verdade, a situação em que a ação judicial é ajuizada em face de réu preteritamente falecido revela a existência de ilegitimidade passiva, devendo, pois, ser oportunizada ao autor da ação a possibilidade de emendar a petição inicial para regularizar o polo passivo, sobretudo porque, evidentemente, ainda não terá havido ato citatório válido e, portanto, o aditamento à inicial é admissível independentemente de aquiescência do réu, conforme expressamente autorizam os artigos 264 e 294 do CPC/73”, afirmou a relatora.
No caso dos autos, a ministra destacou que ainda não havia sido ajuizada a ação de inventário à época do início da execução. Nas hipóteses em que o inventariante ainda não prestou compromisso, Nancy Andrighi apontou que cabe ao administrador provisório a administração da herança (artigo 1.797 do Código Civil de 2002) e, ainda, a representação judicial do espólio (artigo 986 do CPC/73).
“Desse modo, é correto afirmar que, de um lado, se já houver sido ajuizada a ação de inventário e já houver inventariante compromissado, a ele caberá a representação judicial do espólio; de outro lado, caso ainda não tenha sido ajuizada a ação de inventário ou, ainda que proposta, ainda não haja inventariante devidamente compromissado, ao administrador provisório caberá a representação judicial do espólio”, concluiu a relatora ao possibilitar que o credor emende a petição inicial e corrija o polo passivo.
Leia oacórdão.