O princípio da preservação da empresa impede que valores inexpressivos de dívida provoquem a quebra da sociedade comercial. A decretação de falência, ainda que o pedido tenha sido formulado na vigência do Decreto-Lei 7.661/45, deve observar o valor mínimo de dívida exigido pela Lei 11.101/05, que é de 40 salários mínimos.
Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial interposto por empresa que pretendia ver decretada a falência de outra, devedora de duplicatas no valor de R$ 6.244,20.
O pedido de falência foi feito em 2001, sob a vigência do Decreto-Lei 7.661, cujo artigo 1º estabelecia: “Considera-se falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida, constante de título que legitime a ação executiva.”
Mudança
A Lei 11.101 trouxe significativa alteração, indicando valor mínimo equivalente a 40 salários mínimos como pressuposto do requerimento de falência.
O juízo de primeiro grau extinguiu o processo, visto que o valor da dívida era inferior ao previsto na nova legislação falimentar. A decisão foi mantida em segunda instância, entendendo o tribunal que deveria incidir o previsto na Lei 11.101.
No recurso especial interposto no STJ, a empresa alegou que a falência, de acordo com o artigo 1º do Decreto-Lei 7.661, era caracterizada pela impontualidade no pagamento de uma obrigação líquida e não pela ocorrência de circunstâncias indicativas de insolvência.
O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, analisou a questão sob o enfoque intertemporal e entendeu que a nova lei especificou que, se a falência da sociedade fosse decretada na sua vigência, seriam aplicados os seus dispositivos. “Assim, no procedimento pré-falimentar, aplica-se a lei anterior, incidindo a nova lei de quebras somente na fase falimentar”, disse.
Entretanto, ele explicou que a questão não deveria ser analisada simplesmente sob o prisma do direito intertemporal, mas pela ótica da nova ordem constitucional, que consagra o princípio da preservação da empresa.
Repercussão socioeconômica
“Tendo-se como orientação constitucional a preservação da empresa, refoge à noção de razoabilidade a possibilidade de valores insignificantes provocarem a sua quebra, razão pela qual a preservação da unidade produtiva deve prevalecer em detrimento da satisfação da uma dívida que nem mesmo ostenta valor compatível com a repercussão socioeconômica da decretação da falência”, sustentou Luis Felipe Salomão.
Para ele, a decretação da falência de sociedade comercial em razão de débitos de valores pequenos não atende ao correto princípio de política judiciária e, além disso, traz drásticas consequências sociais, nocivas e desproporcionais ao montante do crédito em discussão, tanto para a empresa, quanto para os empregados.
Por fim, o ministro explicou que o pedido de falência deve ser utilizado somente como última solução, sob pena de se valer do processo falimentar com propósitos coercitivos.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.023.172 - SP (2008⁄0012014-0)
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO |
RECORRENTE | : | CALCADOS RACKET LTDA |
ADVOGADO | : | CRISTIANE RESENDE CARDOSO E OUTRO(S) |
RECORRIDO | : | CONTATO CONFECCOES TARUMA LTDA ME |
ADVOGADO | : | RODRIGO SILVEIRA LIMA |
EMENTA
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE FALÊNCIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO DECRETO-LEI 7.661⁄1945. IMPONTUALIDADE. DÉBITO DE VALOR ÍNFIMO. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.
1. O princípio da preservação da empresa cumpre preceito da norma maior, refletindo, por conseguinte, a vontade do poder constituinte originário, de modo que refoge à noção de razoabilidade a possibilidade de valores inexpressivos provocarem a quebra da sociedade comercial, em detrimento da satisfação de dívida que nãoostenta valor compatível com a repercussão sócio-econômica da decretação da quebra.
2. A decretação da falência, ainda que o pedido tenha sido formulado sob a sistemática do Decreto-Lei 7.661⁄45, deve observar o valor mínimo exigido pelo art. 94 da Lei 11.101⁄2005, privilegiando-se o princípio da preservação da empresa. Precedentes.
3. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.
Brasília (DF), 19 de abril de 2012(Data do Julgamento)
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator
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