Data: 22/11/2019
A Quarta Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão monocrática do ministro
Luis Felipe Salomão que condenou as empresas que integram o Grupo Jequiti a
pagar indenização por danos materiais e morais à Natura Cosméticos S.A. pela
utilização indevida do trade dress (conjunto-imagem) de alguns de seus
produtos, como os da linha Erva Doce.
A Jequiti havia
sido condenada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) por violação de
trade dress, porém a corte paulista negou o pedido de reparação. Para a Quarta
Turma, a caracterização de concorrência desleal e da tentativa de confundir o
público consumidor exige a reparação dos danos causados à Natura, em valor que
deverá ser arbitrado na fase de liquidação de sentença.
Na ação que deu
origem ao recurso, a Natura narrou que detém marcas como Natura Erva Doce,
Revelar da Natura e Hórus, cujos produtos são tradicionais no mercado. Apesar
de deter os registros dessas marcas, a Natura afirmou que o Grupo Jequiti
comercializava produtos com as marcas Jequiti Erva Doce Mais, Jequiti Oro e
Jequiti Revela, atitude que violaria os seus direitos de propriedade
industrial. A Jequiti é igualmente titular de marcas registradas no Instituto
Nacional da Propriedade Industrial (INPI) compostas pelas expressões Erva Doce
e Oro.
Ainda segundo a
Natura, além da reprodução indevida das marcas, a Jequiti utilizava
identificação e grafia extremamente semelhantes às empregadas por ela,
especialmente com relação à disposição visual dos elementos nominativos.
Alteração de
embalagens
O pedido de
abstenção de uso de marca e indenização foi julgado improcedente em primeiro
grau, mas o TJSP reformou a sentença por entender que houve aproveitamento
indevido do prestígio das marcas da Natura, já consolidada no mercado.
De acordo com o
tribunal, essa conduta ficou ainda mais evidente diante das informações de que
a Jequiti, ao saber que a Natura tomaria medidas judiciais, alterou embalagens
da linha Jequiti Erva Doce, mas sem deixar de utilizar elementos que remetiam à
marca líder.
Entretanto, o
TJSP afastou a condenação por danos materiais e morais por concluir que não
havia prova nos autos de que a conduta da ré teria impedido a Natura de obter
lucro com seus produtos, ou que tenha ocorrido desvio de clientela ou queda de
faturamento.
Recurso
repetitivo
No STJ, o
recurso especial foi primeiramente julgado sob o rito dos recursos repetitivos
em 2018 (Tema 950), quando a Segunda Seção determinou a apreciação do caso pela
turma de direito privado por entender que as demandas entre particulares acerca
de trade dress dos produtos, concorrência desleal e outras questões
semelhantes, por não envolverem registro no INPI, são de competência da Justiça
estadual.
Entretanto, a
seção considerou que compete à Justiça Federal, em ação de nulidade de registro
de marca, com a participação do INPI, impor ao titular a abstenção do uso,
inclusive no tocante à tutela provisória. Assim, ao reconhecer a incompetência
da Justiça estadual para analisar as questões sobre o registro de marca, a
seção afastou a determinação de abstenção de uso das marcas também registradas
pelo Grupo Jequiti. A discussão específica sobre o registro das marcas foi,
portanto, deslocada para a Justiça Federal.
Cópia servil
Após a decisão
do ministro Salomão que reconheceu o direito da Natura à indenização, as
empresas do Grupo Jequiti recorreram à Quarta Turma. Alegaram que os
precedentes que fundamentaram a decisão monocrática do ministro dizem respeito
à violação de marca, e não de trade dress. Além disso, argumentaram que a
comprovação do dano deveria ser necessariamente feita na fase de instrução
processual, e que nem sempre uma conduta violadora de direitos de propriedade
industrial é apta a gerar dano moral.
No julgamento do
recurso, Luis Felipe Salomão apontou que o próprio TJSP entendeu ter havido
"cópia servil" do trade dress dos produtos concorrentes pela Jequiti,
além do risco de diluição das marcas da Natura em decorrência da conduta da ré
de fabricar e comercializar cosméticos com marcas e conjunto-imagem similares.
"Embora não
se cuide de tutela específica da marca, mas de cessação de concorrência
desleal, o trade dress, prestigiado pela Constituição, pela legislação
infraconstitucional interna e transnacional, tem função similar à da marca,
denominada pela doutrina 'para-marcária'", disse.
O relator
lembrou que o artigo 209 da Lei de Propriedade Industrial prevê a possibilidade
de o prejudicado receber ressarcimento pelos prejuízos causados por atos de
violação de direitos de propriedade industrial e por ações, inclusive, não
previstas na lei, mas que tendam a prejudicar a reputação ou os negócios
alheios e a criar confusão entre produtos, serviços e estabelecimentos
comerciais.
"A norma,
em nenhum momento, condiciona a reparação à efetiva demonstração do dano, até
porque, como dito, é inerente à violação do trade dress o desvio de clientela,
a confusão entre produtos, independentemente da análise do dolo do agente ou da
comprovação de prejuízos", afirmou o ministro ao lembrar que, na violação
de marca ou trade dress, o dano é presumido (in re ipsa), decorrendo seu
reconhecimento da mera comprovação da prática de conduta ilícita.
Celeridade
Salomão também
apontou que a apuração imediata dos danos não contemplaria a celeridade, a
economia, a efetividade processual, a tutela de propriedade intelectual e dos
direitos do consumidor; por isso, a apuração deverá ser realizada no momento do
cumprimento de sentença.
"Isso
porque, nesse tipo de ação, por um lado, a violação pode nem mesmo ser
constatada e, por outro lado, se constatada, a apuração, nessa fase processual,
só retardará desnecessariamente a cessação do dano, mantendo-se o efeito danoso
de diluição do conjunto imagem ou da marca e de confusão aos
consumidores", disse o ministro.
Ao negar o
recurso do Grupo Jequiti, o relator afirmou ainda que, tendo em vista que a
honra objetiva da empresa se dá por meio de sua projeção externa, a utilização
indevida de seus signos identificadores atinge frontalmente seu nome e sua
reputação no mundo civil e empresarial onde atua, gerando o dano moral.
REsp n.
1.527.232
Nenhum comentário:
Postar um comentário