sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

STJ. Grupo Jequiti pagará indenização por copiar produtos da Natura



Data: 22/11/2019

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão monocrática do ministro Luis Felipe Salomão que condenou as empresas que integram o Grupo Jequiti a pagar indenização por danos materiais e morais à Natura Cosméticos S.A. pela utilização indevida do trade dress (conjunto-imagem) de alguns de seus produtos, como os da linha Erva Doce.

A Jequiti havia sido condenada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) por violação de trade dress, porém a corte paulista negou o pedido de reparação. Para a Quarta Turma, a caracterização de concorrência desleal e da tentativa de confundir o público consumidor exige a reparação dos danos causados à Natura, em valor que deverá ser arbitrado na fase de liquidação de sentença.

Na ação que deu origem ao recurso, a Natura narrou que detém marcas como Natura Erva Doce, Revelar da Natura e Hórus, cujos produtos são tradicionais no mercado. Apesar de deter os registros dessas marcas, a Natura afirmou que o Grupo Jequiti comercializava produtos com as marcas Jequiti Erva Doce Mais, Jequiti Oro e Jequiti Revela, atitude que violaria os seus direitos de propriedade industrial. A Jequiti é igualmente titular de marcas registradas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) compostas pelas expressões Erva Doce e Oro.

Ainda segundo a Natura, além da reprodução indevida das marcas, a Jequiti utilizava identificação e grafia extremamente semelhantes às empregadas por ela, especialmente com relação à disposição visual dos elementos nominativos.

Alteração de embalagens

O pedido de abstenção de uso de marca e indenização foi julgado improcedente em primeiro grau, mas o TJSP reformou a sentença por entender que houve aproveitamento indevido do prestígio das marcas da Natura, já consolidada no mercado.

De acordo com o tribunal, essa conduta ficou ainda mais evidente diante das informações de que a Jequiti, ao saber que a Natura tomaria medidas judiciais, alterou embalagens da linha Jequiti Erva Doce, mas sem deixar de utilizar elementos que remetiam à marca líder.

Entretanto, o TJSP afastou a condenação por danos materiais e morais por concluir que não havia prova nos autos de que a conduta da ré teria impedido a Natura de obter lucro com seus produtos, ou que tenha ocorrido desvio de clientela ou queda de faturamento.

Recurso repetitivo

No STJ, o recurso especial foi primeiramente julgado sob o rito dos recursos repetitivos em 2018 (Tema 950), quando a Segunda Seção determinou a apreciação do caso pela turma de direito privado por entender que as demandas entre particulares acerca de trade dress dos produtos, concorrência desleal e outras questões semelhantes, por não envolverem registro no INPI, são de competência da Justiça estadual.

Entretanto, a seção considerou que compete à Justiça Federal, em ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI, impor ao titular a abstenção do uso, inclusive no tocante à tutela provisória. Assim, ao reconhecer a incompetência da Justiça estadual para analisar as questões sobre o registro de marca, a seção afastou a determinação de abstenção de uso das marcas também registradas pelo Grupo Jequiti. A discussão específica sobre o registro das marcas foi, portanto, deslocada para a Justiça Federal.

Cópia servil

Após a decisão do ministro Salomão que reconheceu o direito da Natura à indenização, as empresas do Grupo Jequiti recorreram à Quarta Turma. Alegaram que os precedentes que fundamentaram a decisão monocrática do ministro dizem respeito à violação de marca, e não de trade dress. Além disso, argumentaram que a comprovação do dano deveria ser necessariamente feita na fase de instrução processual, e que nem sempre uma conduta violadora de direitos de propriedade industrial é apta a gerar dano moral.

No julgamento do recurso, Luis Felipe Salomão apontou que o próprio TJSP entendeu ter havido "cópia servil" do trade dress dos produtos concorrentes pela Jequiti, além do risco de diluição das marcas da Natura em decorrência da conduta da ré de fabricar e comercializar cosméticos com marcas e conjunto-imagem similares.

"Embora não se cuide de tutela específica da marca, mas de cessação de concorrência desleal, o trade dress, prestigiado pela Constituição, pela legislação infraconstitucional interna e transnacional, tem função similar à da marca, denominada pela doutrina 'para-marcária'", disse.

O relator lembrou que o artigo 209 da Lei de Propriedade Industrial prevê a possibilidade de o prejudicado receber ressarcimento pelos prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e por ações, inclusive, não previstas na lei, mas que tendam a prejudicar a reputação ou os negócios alheios e a criar confusão entre produtos, serviços e estabelecimentos comerciais.

"A norma, em nenhum momento, condiciona a reparação à efetiva demonstração do dano, até porque, como dito, é inerente à violação do trade dress o desvio de clientela, a confusão entre produtos, independentemente da análise do dolo do agente ou da comprovação de prejuízos", afirmou o ministro ao lembrar que, na violação de marca ou trade dress, o dano é presumido (in re ipsa), decorrendo seu reconhecimento da mera comprovação da prática de conduta ilícita.

Celeridade

Salomão também apontou que a apuração imediata dos danos não contemplaria a celeridade, a economia, a efetividade processual, a tutela de propriedade intelectual e dos direitos do consumidor; por isso, a apuração deverá ser realizada no momento do cumprimento de sentença.

"Isso porque, nesse tipo de ação, por um lado, a violação pode nem mesmo ser constatada e, por outro lado, se constatada, a apuração, nessa fase processual, só retardará desnecessariamente a cessação do dano, mantendo-se o efeito danoso de diluição do conjunto imagem ou da marca e de confusão aos consumidores", disse o ministro.

Ao negar o recurso do Grupo Jequiti, o relator afirmou ainda que, tendo em vista que a honra objetiva da empresa se dá por meio de sua projeção externa, a utilização indevida de seus signos identificadores atinge frontalmente seu nome e sua reputação no mundo civil e empresarial onde atua, gerando o dano moral.

REsp n. 1.527.232

STJ. Saiba um pouco mais sobre a desconsideração da personalidade jurídica (artigo 50 do CC/2002), após as alterações promovidas pela Lei Federal n. 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica)


Data: 09/12/2019
A discussão posta em causa diz respeito a presença dos requisitos necessários para a desconsideração de personalidade jurídica da sociedade empresária.
O art. 50 do CC/02, com as alterações promovidas pela Lei nº 13.874/2019, sancionada aos 20/09/2019, exige, para a desconsideração da personalidade jurídica, a comprovação de abuso da personalidade, o que pode se dar pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, e o benefício direto ou indireto obtido pelo sócio. Vejam-se os termos da lei:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.
FLÁVIO TARTUCE, em artigo publicado no Jusbrasil, comentando a Lei da Liberdade Econômica e seus principais impactos para o Direito Civil, leciona que:
De início, a lei passou a viabilizar a desconsideração da personalidade jurídica - com a ampliação de responsabilidades - tão somente quanto ao sócio ou administrador que, direta ou indiretamente, for beneficiado pelo abuso. Há tempos defendo tal interpretação da norma, assim como outros juristas como Mário Luiz Delgado, para que o instituto da desconsideração não seja utilizado de forma desproporcional, abusiva e desmedida, atingindo pessoa natural que não tenha praticado o ato tido como abusivo ou ilícito. A título de exemplo, um sócio que não tenha tido qualquer benefício com a fraude praticada por outros membros da pessoa jurídica, seja de forma imediata ou mediata, não poderá ser responsabilizado por dívidas da empresa. Assim, neste primeiro aspecto, o texto emergente avança, e muito.
Os novos parágrafos, que foram incluídos, desde o texto da Medida Provisória, trazem critérios objetivos para a incidência da desconsideração nas relações entre civis, em prol de uma suposta certeza e segurança jurídica. Advirta-se que essa norma não se aplica à desconsideração da personalidade jurídica prevista em outros sistemas, como no Código de Defesa do Consumidor, na legislação ambiental (Lei n. 9.605⁄1998) e na (Lei n. ⁄2013). Os dois critérios alternativos previstos no caput do art. 50 do CC⁄2002 – precursores da chamada teoria maior da desconsideração - são o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.
A respeito do desvio de finalidade, a norma passaria a estabelecer como requisito fundamental o elemento doloso ou intencional na prática da lesão ao direito de outrem ou de atos ilícitos, para que o instituto fosse aplicado. Como advertimos em textos anteriores, essa inovação representaria um grande retrocesso, travando a incidência da categoria, substancialmente por distanciar-se da teoria objetiva do abuso de direito, tratado pelo art. 187 do Código Civil, sem qualquer menção ao elemento subjetivo do dolo ou da culpa, e que fundamenta o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
Como antes sustentei, a Medida Provisória n. 881 adotava um modelo subjetivo e agravado, pois somente o dolo e não a simples culpa geraria a configuração desse primeiro elemento da desconsideração. Argumentava-se, entre os defensores da norma, que o elemento doloso para a aplicação da desconsideração estava consolidado no âmbito da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o que não é verdade. Como é notório, a Corte tem exigido o dolo apenas para os casos de encerramento irregular das atividades, quando a empresa as encerra sem honrar com as suas obrigações e altera formalmente as informações perante os órgãos competentes (STJ, EREsp 1.306.553⁄SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 10⁄12⁄2014, DJe 12⁄12⁄2014).
Como defendi em texto anterior, a melhor redação do comando ficaria com a seguinte dicção: "Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza". Isso acabou sendo sugerido por alguns parlamentares, caso do Deputado André Figueiredo, por meio da Emenda n. 90: "suprima-se a expressão 'dolosa' do § 1º do art. 50 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, alterado pelo art. 7º da MPV n. 881, de 2019".
Como acrescentei em outro texto que escrevi, grandes e até insuperáveis seriam os entraves para a incidência da desconsideração da personalidade jurídica – sobretudo na sua modalidade inversa – no âmbito do Direito de Família e das Sucessões, para os quais tem aplicação o art. 50 do Código Civil. Importante sempre lembrar que o elemento subjetivo, notadamente a culpa, foi afastado em demandas relativas a esses ramos jurídicos nos últimos anos, e a Medida Provisória n. 881 trazia a volta de sua análise para a desconsideração, especialmente do dolo.
Sobre a confusão patrimonial, foram mantidos os parâmetros objetivos que estavam previstos na Medida Provisória n. 881, sem qualquer modificação, a saber: a) o cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; b) a transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e c) outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. Somente quanto à primeira previsão tinha a minha ressalva, e sugeri que fosse retirada a palavra "repetitivo", pois a confusão patrimonial poderia estar configurada por um único cumprimento obrigacional da pessoa jurídica em relação aos seus membros; por um ato isolado, é possível realizar um total esvaziamento patrimonial com o intuito de prejudicar credores. De todo modo, tal entendimento não foi adotado, e caberá à jurisprudência fazer a mitigação do texto legal, se for o caso, nessas situações.
Sobre o § 3º do art. 50, continuo a entender que seria mais interessante adaptá-lo ao art. 133, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015, que, ao tratar do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, estabelece que "aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica". A redação que consta da nova lei, confirmando a Medida Provisória anterior, ao prever que "o disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica", pode até trazer a falsa impressão de que não se trata da desconsideração inversa. De todo modo, como foi essa a opção do legislador, é preciso sempre afirmar que se trata dos mesmos institutos.
Quanto ao § 4º do art. 50, reitero o meu apoio ao texto legislativo, ao preceituar que "a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica". Foi positivada, portanto, a viabilidade jurídica do uso da desconsideração da personalidade jurídica para atingir outra pessoa jurídica, o que se denomina como desconsideração econômica, indireta ou sucessão entre empresas.
Como última mudança do art. 50 do Código Civil, o seu § 5º confirma o texto da MP, no sentido de que não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. Lamenta-se a manutenção a respeito da alteração da finalidade original, que deveria ter sido retirada do texto de conversão, o que foi proposto pelo Senador Pacheco, por meio da Emenda n. 173.
Assim como em textos anteriores, cito mais uma vez o exemplo de uma fundação, que pode ter a sua autonomia desconsiderada, com o fim de responsabilização dos seus administradores, caso altere a sua finalidade inicial com o objetivo de se desviar de seus fins nobres, constantes do art. 62, parágrafo único, do Código Civil. Nessa hipótese, defendo que já há motivo para aplicar o instituto do art. 50 do Código Civil, o que novamente deve ser considerado pela jurisprudência, abrindo-se uma exceção ao texto legal.
Como palavras finais, entre erros e acertos, penso que o texto da lei a respeito da desconsideração da personalidade jurídica é bem melhor do que o original e também do que constava da Medida Provisória, em especial pela retirada do dolo, tendo o Parlamento Brasileiro cumprido o seu papel e a sua função nos debates que permearam a conversão da MP e no aperfeiçoamento do texto (https:⁄⁄flaviotartuce.jusbrasil.com.br⁄artigos⁄760633426⁄a-lei-da-liber
dade-economica-lei-13874-2019-e-os-seus-principais-impactos-para-o-direito-civil-parte-i) (sem destaque no original).
Portanto, a desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional que permite alcançar os bens das pessoas naturais (sócios ou administradores) que tenham se beneficiado direta ou indiretamente pelos abusos praticados, responsabilizando-as pelos prejuízos que causarem a terceiros.

REsp n. 1.838.009
STJ. Os títulos de crédito nominados e inominados, suas leis especiais de regência e a aplicação do Código Civil

Data: 12/12/2019

O atual entendimento das turmas que compõem a Segunda Seção deste Sodalício é no sentido de que "as normas das leis especiais que regem os títulos de crédito nominados, v.g., letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédulas e notas de crédito, continuam vigentes e se aplicam quando dispuserem diversamente do Código Civil de 2002, por força do art. 903 do Diploma civilista.

Com efeito, com o advento do Diploma civilista, passou a existir uma dualidade de regramento legal: os títulos de crédito típicos ou nominados continuam a ser disciplinados pelas leis especiais de regência, enquanto os títulos atípicos ou inominados subordinam-se às normas do novo Código, desde que se enquadrem na definição de título de crédito constante no art. 887 do Código Civil" (REsp 1633399/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2016, DJe 01/12/2016). Precedentes.

AgInt no REsp n. 1.783.729


AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.783.729 - PB (2018⁄0319887-8)

RELATOR   :        MINISTRO MARCO BUZZI
AGRAVANTE        :        NEUZA DA SILVA SOUSA
ADVOGADO        :        HUMBERTO DE SOUSA FELIX E OUTRO(S) - RN005069
AGRAVADO         :        CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
ADVOGADOS       :        THEREZA SHIMENA SANTOS TORRES  - PB011782
                  EDUARDO BRAZ DE FARIAS XIMENES  - PB012136
                  DANIELA LEMOS NEUESCHWANDER  - PE019387
AGRAVADO         :        ANTONIO EVERALDO PEDROSA DE FREITAS - ME
ADVOGADO        :        SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS  - SE000000M

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

Trata-se de agravo interno, interposto por NEUZA DA SILVA SOUSA, contra decisão monocrática da lavra deste signatário (fls. 403⁄406, e-STJ) que negou provimento ao recurso especial, interposto com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c" da Constituição Federal, em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, assim ementado (fls. 356⁄357, e-STJ):

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO. AVALISTA. OUTORGA UXÓRIA. DESNECESSIDADE. REGRAMENTO PELA LEGISLAÇÃO UNIFORME DE GENEBRA. IMPOSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO DE NULIDADE PELO CÔNJUGE GARANTIDOR.
APELAÇÃO IMPROVIDA.

1. Registre-se que a matéria suscitada no apelo já foi objeto de apreciação por esta Turma por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento nº 0801237-64.2017.4.05.0000.

2. O eg. Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que o art. 1.647, III, do Código Civil deve ser interpretado de modo a restringir sua incidência aos avais prestados aos títulos inominados regrados pelo diploma civil, excluindo-se os títulos nominados regidos por leis especiais.

Precedente: REsp 1526560⁄MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe 16⁄05⁄2017.

3. Hipótese em que a promovente, ora apelante, pugna pela declaração da nulidade de cédula de crédito bancário na qual figura como avalista, sob o fundamento de que, embora casada em regime de comunhão de bens, não teria obtido a anuência do cônjuge, o que seria condição de validade do aval, nos termos do inciso III do art. 1.647 do Código Civil.

4. A lei cambial a que se reporta o art. 44 Lei 10.931⁄2004, que regulamenta as cédulas de crédito bancário, é a Legislação Uniforme de Genebra, incorporada ao nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n. 57.663⁄1966.

Esse diploma, ao disciplinar o aval, não impõe como condição de sua eficácia e validade a autorização do cônjuge na hipótese de ser o avalista casado em regime de comunhão de bens. Com efeito, essa autorização afigura-se desnecessária.

5. Ressalte-se, ademais, que a nulidade do aval prestado sem a autorização do cônjuge não pode ser alegada pelo garantidor. Somente o consorte alheio ao ato poderia comprovar eventual prejuízo diante da ausência de concordância com o oferecimento da garantia, o que não é o caso destes autos.

6. Apelação improvida.

Nas razões do recurso especial (fls. 416⁄429, e-STJ), a ora agravante apontou, além do dissídio jurisprudencial, a violação dos arts. 903 e 1.647 do CC, defendendo, em síntese: i) a nulidade do aval prestado em título de crédito sem a outorga uxória; ii) a necessidade de aplicação das normas civilistas ao caso, haja vista a omissão da Lei Uniforme de Genebra quanto à outorga uxória como condição para validade do aval.

Contrarrazões às fls. 388⁄394, e-STJ.

Em decisão monocrática (fls. 403⁄406, e-STJ), negou-se provimento ao reclamo em razão da incidência da Súmula 83⁄STJ.

Na petição de agravo interno (fls. 409⁄419, e-STJ) a recorrente aduz, em síntese: 1) o STJ possui entendimento no sentido de que o aval prestado sem a devida outorga uxória é anulável; 2) o Código Civil somente deixará de ser aplicado quando a lei especial regular expressamente a matéria, o que não é o caso dos autos, visto que a Lei Uniforme de Genebra não dispõe sobre a outorga uxória; 3) inaplicável a Súmula 83⁄STJ, pois há precedentes do STJ que amparam a sua pretensão.
Impugnação às fls. 422⁄427, e-STJ.

É o relatório.

AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.783.729 - PB (2018⁄0319887-8)

EMENTA

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO.
INSURGÊNCIA DA PARTE REQUERIDA.

1. O atual entendimento das turmas que compõem a Segunda Seção deste Sodalício é no sentido de que "as normas das leis especiais que regem os títulos de crédito nominados, v.g., letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédulas e notas de crédito, continuam vigentes e se aplicam quando dispuserem diversamente do Código Civil de 2002, por força do art. 903 do Diploma civilista. Com efeito, com o advento do Diploma civilista, passou a existir uma dualidade de regramento legal: os títulos de crédito típicos ou nominados continuam a ser disciplinados pelas leis especiais de regência, enquanto os títulos atípicos ou inominados subordinam-se às normas do novo Código, desde que se enquadrem na definição de título de crédito constante no art. 887 do Código Civil" (REsp 1633399⁄SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10⁄11⁄2016, DJe 01⁄12⁄2016). Precedentes.

2. Agravo interno desprovido.


VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

O agravo interno não merece acolhida, porquanto os argumentos tecidos pela parte são incapazes de infirmar a decisão impugnada, a qual deve ser mantida, por seus próprios fundamentos.

1. A parte pretende a declaração de nulidade do aval prestado em título de crédito sem a outorga uxória, defendendo a aplicação das normas civilistas ao caso, haja vista a omissão da Lei Uniforme de Genebra quanto à anuência do cônjuge como condição para validade do aval.

O Tribunal a quo, ao apreciar a controvérsia, entendeu ser inaplicável o art. 1.647, III, do CC, que condiciona a validade do aval prestado por pessoa casada à autorização do cônjuge aos títulos de crédito típicos, como é o caso dos autos, que trata de cédula de crédito bancário, a qual possui regramento próprio. Consignou-se, ainda, que a Lei 10.931⁄2004, que regula o mencionado título, faz remissão à Lei Uniforme de Genebra, que entende desnecessária a outorga uxória no presente caso.

Por oportuno, destaca-se os seguintes trechos do aresto recorrido, confira-se:

Dito isso, entendo que o art. 1.647, III, do Código Civil Brasileiro não ampara a pretensão da recorrente de anular o aval em testilha, haja vista que a incidência do CCB sobre os títulos nominados - como a cédula de crédito bancário - é apenas subsidiária, prevalecendo as disposições da legislação específica. É o que estabelece expressamente o art. 903 do diploma civil:

[...]

Por seu turno, o eg. Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que o art. 1.647, III, do atual CCB deve ser interpretado de modo a restringir sua incidência aos avais prestados aos títulos inominados regrados pelo diploma civil, excluindo-se os títulos nominados regidos por leis especiais.

Confira-se o aresto:

[...]

Na espécie, o contrato no qual a recorrente figura na qualidade de avalista trata-se de cédula de crédito bancário (id. 4058204.1270740), título de crédito regulamentado pela Lei 10.931⁄2004.

Embora esse diploma legal não trate do aval, estabelece seu art. 44, : in verbis

"Art. 44. Aplica-se às Cédulas de Crédito Bancário, no que não contrariar o disposto nesta Lei, a legislação cambial, dispensado o protesto para garantir o direito de cobrança contra endossantes, seus avalistas e terceiros garantidores."

Como ressaltou o douto magistrado sentenciante, a lei cambial a que se reporta o dispositivo transcrito é a Legislação Uniforme de Genebra, incorporada ao nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 57.663⁄1966.

Esse diploma, ao disciplinar o aval, não impõe como condição de sua eficácia e validade a autorização do cônjuge na hipótese de ser o avalista casado em regime de comunhão de bens. Com efeito, essa autorização afigura-se desnecessária.


Conforme delineado no julgado agravado, o atual entendimento das turmas que compõem a Segunda Seção deste Sodalício é no sentido de que "as normas das leis especiais que regem os títulos de crédito nominados, v.g., letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédulas e notas de crédito, continuam vigentes e se aplicam quando dispuserem diversamente do Código Civil de 2002, por força do art. 903 do Diploma civilista. Com efeito, com o advento do Diploma civilista, passou a existir uma dualidade de regramento legal: os títulos de crédito típicos ou nominados continuam a ser disciplinados pelas leis especiais de regência, enquanto os títulos atípicos ou inominados subordinam-se às normas do novo Código, desde que se enquadrem na definição de título de crédito constante no art. 887 do Código Civil" (REsp 1633399⁄SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10⁄11⁄2016, DJe 01⁄12⁄2016).

Ainda nesse sentido:

AGRAVO INTERNO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. TÍTULO DE CRÉDITO TÍPICO. AVAL. NECESSIDADE DE OUTORGA UXÓRIA OU MARITAL. DESCABIMENTO. DISPOSIÇÃO RESTRITA AOS TÍTULOS DE CRÉDITO INOMINADOS OU ATÍPICOS. ART. 1.647, III, DO CC⁄2002. INTERPRETAÇÃO QUE DEMANDA OBSERVÂNCIA À RESSALVA EXPRESSA DO ART. 903 DO CC, AO DISPOSTO NA LUG ACERCA DO AVAL E AO CRITÉRIO DE HERMENÊUTICA DA ESPECIALIDADE.
ENTENDIMENTO PACIFICADO NO ÂMBITO DO STJ.

1. Por um lado, o aval "considera-se como resultante da simples assinatura" do avalista no anverso do título (art. 31 da LUG), devendo corresponder a ato incondicional, não podendo sua eficácia ficar subordinada a evento futuro e incerto, porque dificultaria a circulação do título de crédito, que é a sua função precípua. Por outro lado, as normas das leis especiais que regem os títulos de crédito nominados, v.g., letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédulas e notas de crédito, continuam vigentes e se aplicam quando dispuserem diversamente do Código Civil de 2002, por força do art. 903 do Diploma civilista. Com efeito, com o advento do Diploma civilista, passou a existir uma dualidade de regramento legal: os títulos de crédito típicos ou nominados continuam a ser disciplinados pelas leis especiais de regência, enquanto os títulos atípicos ou inominados subordinam-se às normas do novo Código, desde que se enquadrem na definição de título de crédito constante no art. 887 do Código Civil." (REsp 1633399⁄SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10⁄11⁄2016, DJe 01⁄12⁄2016) 2. Nessa mesma linha de intelecção, o Enunciado n. 132 da I Jornada de Direito Civil do CJF apresenta a justificativa de que exigir anuência do cônjuge para a outorga de aval resulta em afronta à Lei Uniforme de Genebra.

3. Com efeito, a leitura do art. 31 da Lei Uniforme de Genebra (LUG), em comparação ao texto do art. 1.647, III, do CC⁄02, permite inferir que a lei civilista criou verdadeiro requisito de validade para o aval, não previsto naquela lei especial. Desse modo, não pode ser a exigência da outorga conjugal estendida, irrestritamente, a todos os títulos de crédito, sobretudo aos típicos ou nominados, porquanto a lei especial de regência não impõe essa mesma condição.
(REsp 1644334⁄SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21⁄08⁄2018, DJe 23⁄08⁄2018) 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1473462⁄MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23⁄10⁄2018, DJe 29⁄10⁄2018)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO. AVAL PRESTADO SEM A OUTORGA DA COMPANHEIRA E DO CÔNJUGE DOS AVALISTAS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.647, III, CC⁄02. PRINCÍPIOS DE DIREITO CAMBIÁRIO. ATO JURÍDICO VÁLIDO. INEFICÁCIA PERANTE A COMPANHEIRA E O CÔNJUGE QUE NÃO ANUÍRAM. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA RECURSAL. MAJORAÇÃO.

1. Ação declaratória de nulidade de ato jurídico ajuizada em 2009, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 03⁄06⁄2016 e redistribuído ao gabinete em 14⁄08⁄2017.

2. O propósito recursal é decidir sobre a validade do aval prestado sem a outorga da companheira e do cônjuge dos avalistas.

3. Até o advento do CC⁄02, bastava, para prestar aval, uma simples declaração escrita de vontade; o art. 1.647, III, do CC⁄02, no entanto, passou a exigir do avalista casado, exceto se o regime de bens for o da separação absoluta, a outorga conjugal, sob pena de ser tido como anulável o ato por ele praticado.

4. Se, de um lado, mostra-se louvável a intenção do legislador de proteger o patrimônio da família; de outro, há de ser ela balizada pela proteção ao terceiro de boa-fé, à luz dos princípios que regem as relações cambiárias.

5. Os títulos de crédito são o principal instrumento de circulação de riquezas, em virtude do regime jurídico-cambial que lhes confere o atributo da negociabilidade, a partir da possibilidade de transferência do crédito neles inscrito. Ademais, estão fundados em uma relação de confiança entre credores, devedores e avalistas, na medida em que, pelo princípio da literalidade, os atos por eles lançados na cártula vinculam a existência, o conteúdo e a extensão do crédito transacionado.

6. A regra do art. 1.647, III, do CC⁄02 é clara quanto à invalidade do aval prestado sem a outorga conjugal. No entanto, segundo o art. 903 do mesmo diploma legal, tal regra cede quando houver disposição diversa em lei especial.

7. A leitura do art. 31 da Lei Uniforme de Genebra (LUG), em
comparação ao texto do art. 1.647, III, do CC⁄02, permite inferir que a lei civilista criou verdadeiro requisito de validade para o aval, não previsto naquela lei especial.

8. Desse modo, não pode ser a exigência da outorga conjugal estendida, irrestritamente, a todos os títulos de crédito, sobretudo aos típicos ou nominados, como é o caso das notas promissórias, porquanto a lei especial de regência não impõe essa mesma condição.

9. Condicionar a validade do aval dado em nota promissória à outorga do cônjuge do avalista, sobretudo no universo das negociações empresariais, é enfraquece-lo enquanto garantia pessoal e, em consequência, comprometer a circularidade do título em que é dado, reduzindo a sua negociabilidade; é acrescentar ao título de crédito um fator de insegurança, na medida em que, na cadeia de endossos que impulsiona a sua circulação, o portador, não raras vezes, desconhece as condições pessoais dos avalistas.

10. Conquanto a ausência da outorga não tenha o condão de invalidar o aval prestado nas notas promissórias emitidas em favor de credor de boa-fé, não podem as recorrentes suportar com seus bens a garantia dada sem o seu consentimento, salvo se dela tiverem se beneficiado.

11. Em virtude do exame do mérito, por meio do qual foi rejeitada a tese sustentada pelas recorrentes, fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial.

12. Recurso especial conhecido e desprovido, com majoração de honorários. (REsp 1644334⁄SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21⁄08⁄2018, DJe 23⁄08⁄2018)

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CAMBIÁRIO. AVAL. OUTORGA UXÓRIA OU MARITAL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1647, INCISO III, DO CCB, À LUZ DO ART. 903 DO MESMO ÉDITO E, AINDA, EM FACE DA NATUREZA SECULAR DO INSTITUTO CAMBIÁRIO DO AVAL. REVISÃO DO ENTENDIMENTO DESTE RELATOR.

1. O Código Civil de 2002 estatuiu, em seu art. 1647, inciso III, como requisito de validade da fiança e do aval, institutos bastante diversos, em que pese ontologicamente constituam garantias pessoais, o consentimento por parte do cônjuge do garantidor.

2. Essa norma exige uma interpretação razoável sob pena de descaracterização do aval como típico instituto cambiário.

3. A interpretação mais adequada com o referido instituto cambiário, voltado a fomentar a garantia do pagamento dos títulos de crédito, à segurança do comércio jurídico e, assim, ao fomento da circulação de riquezas, é no sentido de limitar a incidência da regra do art. 1647, inciso III, do CCB aos avais prestados aos títulos inominados regrados pelo Código Civil, excluindo-se os títulos nominados regidos por leis especiais.

4. Precedente específico da Colenda 4ª Turma.

5. Alteração do entendimento deste relator e desta Terceira Turma.

6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
(REsp 1526560⁄MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16⁄03⁄2017, DJe 16⁄05⁄2017)

Assim, uma vez que o acórdão recorrido encontra-se em conformidade com o entendimento desta Corte, é de rigor a manutenção do decisum agravado, o qual concluiu corretamente pela incidência da Súmula 83⁄STJ.
É de rigor, portanto, a manutenção da decisão agravada.
2. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.
É como voto.



PROCESSO - REsp 1.564.955-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 06/02/2018, DJe 15/02/2018
TEMA -  Danos morais. Pessoa jurídica. Natureza in re ipsa. Impossibilidade. Comprovação necessária.


DESTAQUE

O dano moral sofrido pela pessoa jurídica não se configura in re ipsa, o que não obsta, contudo, que sua comprovação ocorra por meio da utilização de presunções e regras de experiência no julgamento da controvérsia.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente, registre-se que a doutrina e a jurisprudência majoritária brasileira entendem que a pessoa jurídica é passível de sofrer danos morais – orientação esta consolidada por meio do enunciado sumular n. 227 do STJ. Vale ressaltar, todavia, que o dano moral de pessoa jurídica não é idêntico àquele sofrido por um indivíduo. Percebe-se que a expressão dano moral é usada como analogia, uma vez que envolvem direitos extrapatrimoniais, mas não são de natureza biopsíquica e tampouco envolve a dignidade da pessoa humana. Nessa hipótese, protege-se a honra objetiva da pessoa jurídica, sendo os danos causados em violação ao bom nome, à fama, à reputação. Essas distinções reclamam, por questão de isonomia, um tratamento jurídico diferente para cada situação. Esse tratamento distinto deve recair na questão da prova do dano moral. Sobre o ponto, a doutrina defende que a possibilidade de considerar o dano moral como in re ipsa decorre da existência de uma comunhão de valores éticos e sociais ou, ainda, de uma essência comum universal dos seres humanos. Nessa linha de raciocínio, e considerando a falta dessa “essência comum”, é impossível ao julgador avaliar a existência e a extensão de danos morais supostamente sofridos pela pessoa jurídica, sem qualquer tipo de comprovação. Disso não decorre, contudo, a impossibilidade da utilização de presunções ou regras de experiência no julgamento de pedidos de indenização por danos morais sofridos por pessoa jurídica.

O adquirente do imóvel sub-roga-se nos direitos decorrentes do contrato de locação relativo ao bem arrematado a partir da lavratura do auto de arrematação

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. LOCAÇÃO COMERCIAL. LOJA. SHOPPING CENTER. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FIADORES. LEGITIMIDADE PASSIVA. ALIENAÇÃO DO IMÓVEL. HASTA PÚBLICA. ARREMATAÇÃO. DÉBITOS POSTERIORES. SUB-ROGAÇÃO LEGAL. ARREMATANTE. LEGITIMIDADE ATIVA. MORATÓRIA NÃO CARACTERIZADA. FIANÇA. MANUTENÇÃO. JULGAMENTO ULTRA PETITA. OCORRÊNCIA.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. Embargos à execução de débitos locatícios opostos pelos fiadores em contrato de locação comercial de loja situada em shopping center.

3. O adquirente do imóvel sub-roga-se nos direitos decorrentes do contrato de locação relativo ao bem arrematado a partir da lavratura do auto de arrematação, sendo parte legítima para a cobrança de débitos locatícios referentes a período posterior à arrematação judicial.

4. As condições da ação, aí incluída a legitimidade, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial.

5. Havendo cláusula expressa no contrato de aluguel, a responsabilidade dos fiadores perdura até a efetiva entrega das chaves do imóvel objeto da locação, ainda que o contrato tenha se prorrogado por prazo indeterminado. Precedentes.

6. A transação e a moratória têm o efeito de exonerar os fiadores que não anuíram com o pacto (art. 838, I, e 844, § 1º, do Código Civil). Precedentes.
Hipótese, contudo, em que o parcelamento da dívida foi concedido por quem não era o titular do crédito.

7. Configura-se o julgamento ultra petita quando a condenação do réu se dá em valor superior ao pleiteado pelo autor na petição inicial.

8. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1689179/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 22/11/2019)


dano moral, especificamente quanto ao uso indevido da marca

 
PROCESSO

REsp 1.327.773-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por maioria, julgado em 28/11/2017, DJe 15/02/2018

RAMO DO DIREITO       DIREITO MARCÁRIO

TEMA - Propriedade industrial. Uso indevido de marca de empresa. Dano moral. Aferição in re ipsa.


DESTAQUE
O dano moral por uso indevido da marca é aferível in re ipsa.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

No tocante ao dano moral, especificamente quanto ao uso indevido da marca, verifica-se que há, no estudo da jurisprudência da Casa, uma falta de harmonização, haja vista que parcela dos julgados vem entendendo ser necessário – ainda que de forma indireta – a comprovação do prejuízo; ao passo que, em outros precedentes, o STJ reconhece que o dano moral decorre automaticamente da configuração do uso indevido da marca. Diante dessa dispersão da jurisprudência, o tema do dano moral, quando presente a vulneração da marca, deve ser mais aprofundado. De fato, a marca não tem apenas a finalidade de assegurar direitos ou interesses meramente individuais do seu titular (ordem privada), mas visa, acima de tudo, resguardar o mercado (ordem pública), protegendo os consumidores, conferindo-lhes subsídios para aferir a origem e a qualidade do produto ou serviço, além de evitar o desvio ilegal de clientela e a prática do proveito econômico parasitário. Não se pode olvidar, ademais, que a marca, muitas vezes, é o ativo mais valioso da empresa, sendo o meio pelo qual o empresário consegue, perante o mercado, distinguir e particularizar seu produto ou serviço, enaltecendo sua reputação. Portanto, por sua natureza de bem imaterial, é ínsito que haja prejuízo moral à pessoa jurídica quando se constata o uso indevido da marca, pois, forçosamente, a reputação, a credibilidade e a imagem da empresa acabam sendo atingidas perante todo o mercado (clientes, fornecedores, sócios, acionistas e comunidade em geral), além de haver o comprometimento do prestígio e da qualidade dos produtos ou serviços ofertados, caracterizando evidente menoscabo de seus direitos, bens e interesses extrapatrimoniais. O contrafator, causador do dano, por outro lado, acaba agregando valor ao seu produto, indevidamente, ao se valer da marca alheia. Sendo assim, o dano moral por uso indevido da marca é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera comprovação da prática de conduta ilícita – contrafação -, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou a comprovação probatória do efetivo abalo moral, haja vista que o vilipêndio do sinal, uma vez demonstrado, acarretará, por consectário lógico, a vulneração do seu bom nome, reputação ou imagem.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

S/A volta a ter que publicar




Em agosto de 2019, foi publicada a Medida Provisória nº 892, que dispunha sobre publicações empresariais obrigatórias.

Como objetivo principal, o referido texto modificou o art. 289 da Lei 6.404.76 (a conhecida Lei da Sociedade Anônima), para determinar que as publicações dessas sociedades pudessem ser feitas nos sítios eletrônicos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da entidade administradora do mercado em que os valores mobiliários da companhia estiverem admitidos à negociação.

Nos termos do seu art. 5º, a referida Medida Provisória entrou em vigor em 05 de Agosto de 2019, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do mês seguinte à sua publicação, ou seja, em 1º de Setembro de 2019.

Entrementes, dentro do seu prazo de vigência não foi convertida em lei.

No dia 12 de novembro, inclusive, a comissão mista que analisou o texto, o considerou inconstitucional, principalmente por não atender ao pré-requisito da urgência, ao qual uma Medida Provisória precisa obedecer.

Por esse motivo, nos termos do Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional nº 68 de 2019, teve seu prazo de vigência encerrado no último dia 03 de Dezembro do corrente ano.

Com isso, o artigo 289 da Lei das S/A volta à sua redação original, indicando que até 31 de dezembro de 2021 as publicações obrigatórias devem ser realizadas em jornal de grande circulação e no órgão oficial da União ou Estado do local em que a sede da companhia esteja situada.

De igual modo, que a partir de 1º de janeiro de 2022, as publicações deverão ser efetuadas em jornal de grande circulação editado na localidade em que esteja situada a sede da companhia, de forma resumida e com divulgação simultânea da íntegra dos documentos na página do mesmo jornal na internet, mediante certificação digital da autenticidade dos documentos por autoridade certificadora credenciada pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICPBrasil.