O costume comercial pode ser
provado por testemunhos e não somente pelo assentamento nas juntas comerciais.
Pode também servir de fonte de direito comercial, de forma que as regras do
Código Civil de 1916 não se sobrepõem, necessariamente, a tais costumes. A
decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao negar
recurso em caso de sobre-estadia no transporte de cargas ocorrido na vigência
do Código Civil de 1916 e do Código Comercial de 1850.
O juiz negou a prova testemunhal que visava provar a existência do
costume de a contratante indenizar a transportadora terrestre pela
sobre-estadia paga aos motoristas em atrasos na descarga nos portos. A ação de
cobrança da transportadora envolvia outros débitos, no total de R$ 170 mil.
Mas, após a negativa de prova desses costumes, a sentença fixou o valor devido
em R$ 3,8 mil referentes a apenas duas faturas de serviços prestados. O
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao analisar agravo retido, reconheceu a
possibilidade de produção de prova testemunhal pretendida e anulou o processo
desde a audiência de conciliação. Daí o recurso da contratante ao STJ.
Em voto classificado pelo ministro
Massami Uyeda como verdadeira peça doutrinária e exemplo do trabalho
institucional do STJ, a ministra Nancy Andrighi fez uma revisão histórica da
legislação e da doutrina sobre costumes comerciais no Brasil desde o
Regulamento 737, de 1850. Para a relatora, diferentemente do alegado no
recurso, a tradição relativa aos costumes comerciais é o de registro por
assentamento dessas práticas no antigo Tribunal de Comércio ou nas atuais
juntas comerciais, o que dispensaria outros meios de prova; porém a ausência de
tal homologação não significa a inexistência do costume, nem impede a produção
de provas diversas para comprová-lo.
É evidente que nem todo costume
comercial existente estará assentado antes que surja uma oportunidade para que
seja invocado em juízo, pois o uso necessariamente nasce na prática comercial e
depois se populariza nas praças comerciais, até chegar ao ponto de merecer
registro pela Junta Comercial, completou a relatora. A posição defendida pela
recorrente levaria à restrição da utilização do costume mercantil como fonte
subsidiária do direito apenas àquelas hipóteses já extremamente conhecidas na
mercancia; porém, como estas situações, justamente por serem estratificadas,
não geram conflitos entre os comerciantes, cria-se um círculo vicioso que
afasta totalmente a utilidade do uso mercantil para o debate jurídico.
A ministra acrescentou que, mesmo
que o costume seja comprovado, ainda não se poderia concluir automaticamente
haver responsabilidade da recorrente. Nesse caso, o costume poderá ser usado
como regra jurídica para apreciação da disputa, a partir da análise, em uma
segunda etapa, de sua efetiva aplicabilidade aos fatos. A relatora citou exemplo
em que o juiz pode concluir não se tratar de efetivo costume comercial, mas
mero hábito mercantil de alcance reduzido, pois ainda que seja prática
rotineira, é adotada pelos comerciantes por liberalidade e não por entenderem
ser uma obrigação.
Para a ministra Nancy Andrighi, não
é óbvia nem uniforme a compreensão sustentada no recurso de que, mesmo
comprovado, o costume alegado seria contrário à lei e, por isso, não poderia
regular a situação jurídica mercantil. Um autor citado no voto afirma que, se a
disposição legal não for de ordem pública e obrigatoriamente aplicável, pode
ser substituída por uso ao qual as partes deem preferência. Nesse caso, o
julgador deveria aplicá-lo, sobrepondo-o à lei não imperativa.
Além disso, como o recurso sustenta
a isenção de responsabilidade da contratante com base na disposição genérica de
responsabilidade civil prevista no artigo 159 do CC/16 , a relatora entende que
não se trata apenas de discutir a eventual contrariedade do costume à lei, mas
também as nuances resultantes desse conflito, pois, em face da legislação
vigente à data dos fatos, tanto os costumes comerciais quanto o Código Civil de
1916 eram fontes subsidiárias de direito comercial e, no caso, a regra geral de
responsabilidade citada pela recorrente não regula, de forma próxima, qualquer
relação negocial, mas apenas repete princípio jurídico imemorial que remonta ao
neminem laedere romano. Por isso, a análise dessa alegação não pode ser
automática ou superficial, como pretendido no recurso.
A relatora concluiu ressalvando,
ainda, que, sob o Código Civil de 2002, a questão poderia ser analisada de
forma diversa. A unificação do direito privado poderia levar a uma nova
interpretação relativa às fontes secundárias do direito comercial, mas tal
análise escaparia aos limites do recurso julgado.
Autor: Coordenadoria de Editoria e
Imprensa
Nenhum comentário:
Postar um comentário